Existem perguntas que parecem simples, mas que precisam de muita pesquisa, estudo e discussão pra começar a serem respondidas. Por exemplo: “o que são histórias em quadrinhos?”.
No livro do espanhol Santiago García, essa pergunta surge como parte do processo do autor para argumentar sua teoria de que “durante os últimos 25 anos, deu-se um fenômeno que poderíamos considerar de tomada de consciência dos quadrinhos como forma artística adulta”. Esse fenômeno seria o surgimento das novelas gráficas ou “graphic novels”. Mas, oras, se há uma mudança coletiva de perspectiva sobre os quadrinhos e agora eles são considerados uma “forma artística adulta”, antes eles eram o quê? E por que se dá essa mudança? Por aí segue a argumentação de García.
Roteirista e pesquisador de histórias em quadrinhos, García procura não apenas apresentar uma trajetória histórica das HQs, mas também pensar as implicações dessa seleção de fatos, dessa ênfase em certos aspectos. Por exemplo, ao analisar as criações de Richard F. Outcault e Rodolphe Töpffer, frequentemente citadas em textos que procuram construir uma história das HQs, sugere que The Yellow Kid é um marco que vincula os quadrinhos à cultura de massas, ao entretenimento popular no sentido mais pejorativo de consumo rápido e descartável, enquanto que Les amours de Mr. Vieux Bois ressalta o aspecto artesanal, autoral, independente, mais de acordo com as obras de figuras como Daniel Clowes, Chris Ware e cia.
Essa tensão entre “entretenimento raso” e “formas artísticas adultas” perpassa todo o livro e vai se revelando como uma rede complexa de fatores como profissionalização, produção, demanda de mercado, cultura, política, economia, etc. O autor apresenta algumas ideias que são discutíveis, talvez até equivocadas, entretanto o livro traz material pra levantar boas discussões. Por exemplo, com suas divisões de tarefas, hierarquias, prazos e demandas, a estrutura de trabalho e produção industrial de HQs impossibilita a criação de obras significativas? Histórias em quadrinhos são uma linguagem efetivamente autônoma ou uma subliteratura?
Tem perguntas que parecem simples, mas que talvez nunca recebam uma resposta definitiva. Mais do que uma resposta certa, pedem por discussão e reflexão, e trazem em si uma série de anseios e tensões. Daí a prática dos quadrinhos pode se valer não só da produção de boas obras, mas das discussões teóricas acerca não só dessas obras, mas das condições e contextos delas. Nesse sentido, a publicação de A novela gráfica no Brasil é uma excelente contribuição.