Hídrico é um apanhado de tiras do personagem com tarja em cima do nome e um aquário em cima da cabeça.
Só dá pra ver que tem K no começo. Tipo, K[____] (vou chamá-lo de K Aécio).
O personagem de Tiago Judas, criado ainda nos tempos de Sociedade Radioativa (zine que também fizeram parte Caeto e Rafael Coutinho, só pra citar 2), não pode ter seu nome usado, porque, coincidências da realidade que imita a ficção, era o sobrenome de uma família que ameaçou o autor de processo se ele não matasse o personagem que usava o nome deles.
daí ele matou, daí ele ressuscitou e tacou a tarja no K Aécio e agora virou uma coletânea. Ou pelo menos essa é a história ficcionalizada no livro (dá pra ler ela aqui). Sei lá se isso aconteceu porque, né, a gente sabe, autor não é bicho confiável.
KAécio foi publicado em zines, na extinta revista Bravo e na Piauí (ó as histórias aqui e aqui também – são versões coloridas de histórias que estão em Hídrico) e ficou um tempinho parado, dando voltas no aquário.

Tiago Judas é artista visual (ó o portfólio dele) e nesse tempo que o K Aécio criava musgo na gaveta, ele fez exposições, quadros, esculturas, capas de livro e ilustrações.
Já Hídrico é mais direcionado, meio que o autor sabia o que queria com ele o tempo todo: é um humor leve, mas às vezes uma reflexão intensa; é um jogo de palavras infantil, às vezes com uma revelação transcendental, às vezes não.
Nessa variação de performances das tiras, há o contraste com a pouca variação de movimento: quadros que se repetem, aproximação e afastamento, poucas variações de posição. K Aécio é um personagem parado, que observa; às vezes nos faz rir, às vezes não.
Tiago Judas fala em uma entrevista (para o Central HQ, ouve aqui) que a linha de humor em Hídrico seria tipo Gordo e magro e Buster Keaton.
K Aécio tem certa inocência, aquela de quem parece encarar o mundo como novidade a cada tira. A resposta errada que deveria sera certa, tipo a criança que testa a palavra e vê até onde ela pode ir
Hídrico tem disso: um desenho com esmero e um texto de sacadas. Nem tudo vai agradar, mas nem tudo é pra agradar (de onde tiramos essa ideia de que tudo deve ser agradável?).
Isso tudo vem em edição xuxuzinha, trabalho fino do estúdio Mezanino (na minha modesta, é o melhor trabalho gráfico da Veneta até aqui).
Hídrico é um livro pra te dizer que nem tudo precisa ser engraçado de doer, que nem toda reflexão profunda vem da dor e meio que lembra a gente que pode ser, sim, que deixemos de lado a dor existencial e a poesia que se carrega no lombo poético por uma piadinha quase sem graça, mas poderosa.