Muita, mas muita metaficcção no (até aqui) único material de Satoshi Kon publicado no país: Opus (2 volumes, Panini, 2017, tradução de Dirce Miyamura).
Reconhecido como diretor de longas de animação como Tokyo Godfathers (2003) e Paprika (2006), entre outros, Satoshi Kon, também teve uma vida de mangaká. Falecido em 2010, aos 46 anos, por causa de um câncer, o cineasta se mostra um quadrinista de grande qualidade.
Opus é a obra que fala de si mesma e, assim, fala de toda a ficção. A ideia de Kon é mostrar um mangaká que é literalmente tragado pela sua história. O tempo todo questões como criatividade e processo de produção são colocados no primeiro plano. O autor se torna personagem e é tratado por eles como Deus, afinal, é ele quem decide o que acontece naquelas vidas ficcionais.
O desenho e a trama deixam de ser algo que estrutura aquilo que o leitor vê, mas a própria camada de superfície do mangá. O traço de Kon é dinâmico, preciso e detalhado, capaz de entregar páginas que a despeito de narrarem a história, são lindas. E mais do que isso, elas são interessantes por sua composição como página de história em quadrinhos.
Daqui em diante, vou comentar mais a fundo detalhes do enredo, inclusive o final, porque é importante para a linha de pensamento que sigo. Caso você se incomode em saber a trama antes de ler o mangá, sugiro não ler mais depois da imagem abaixo.
A história de publicação de Opus e suas condições de produção aparecem não só na trama, mas na ARQUICONDUÇÃO do mangá mesmo. Já explico, mas primeiro alguns fatos norteadores: a publicação da série foi interrompida de súbito, pois a revista em que saía terminou e Kon teve apenas três capítulos para fechar a história, que obviamente, ficou com uma conclusão meio pendurada. Após sua morte, encontrou-se o que é o último capítulo do segundo volume da edição nacional. É uma história que não está totalmente arte-finalizada, mas inteiramente esquematizada na narrativa em esboços com diálogos já colocados, e totalmente legível.
O que chamei de arquicondução é a história de como a história é criada, mas que aqui, de relaciona diretamente com o que acontece ou deixa de acontecer nas páginas do quadrinho.
Satoshi Kon não terminou Opus nos anos seguintes ao fim prematuro, mas de certa forma, essa moldura de contexto e o capítulo recuperado, quase como um testamento, traz um sentido incrível para essa obra que aponta para si mesma: além da técnica pronta, há o próprio entorno de cancelamentos, materiais recuperados após a morte do autor, a arte em sua fase de preparação. O tropeçar dos eventos da vida levou, para além de qualquer planejamento, Opus para um lugar ainda mais metanarrativo que se ousava imaginar.