[Teteia Pura] Lançamento de Café Espacial + Dupin na Itiban

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No dia 05/03 rolou um bate-papo na ITIBAN, em Curitiba,  com quatro autores: LEANDRO MELITE (A Desistência do Azul, DUPIN), Sérgio Chaves (roteirista e editor da CAFÉ ESPACIAL), Allan Ledo (desenhista de Entressafra) e o Alexandre Lourenço (ROBÔ ESMAGA). Fora essas publicações, todos os autores já participaram da Café Espacial, que promovia o lançamento do décimo quinto número da revista, bem como o quadrinho Entressafra, publicado em parceria com a MARCA DE FANTASIA. Eu tive o prazer de mediar a conversa entre os autores e público (valeu, Mitie!).

A Itiban frequentemente libera espaço pra lançamentos e bate-papos no sábado à tarde (bem como várias outras lojas especializadas como GIBITERIA, UGRA, MONKIX, COMIC HOUSE, etc.). Seria bem bom se as pessoas frequentassem esses eventos com assiduidade, pois são bastante direcionados e informativos. A loja se dedica a fomentar um debate importantíssimo, mesmo que raro nesta era de bombardeios frenéticos de filmes de super-heróis. É uma dedicação que não deveria ser ignorada.

O bate-papo rendeu muito graças às ricas respostas dos autores, que, para o bem do mediador aqui, não se limitaram a declarações monossilábicas. Foi tão maneiro que resolvi transcrever os pontos altos da conversa aqui no TETEIA PURA. As perguntas foram direcionadas, porém as pensei de forma que todos pudessem responder. O Allan Ledo se atrasou um pouco, por isso ele não respondeu às primeiras questões. Bora lá?

Paulo CecconiA Café tem um público restrito, e acho que até mesmo as publicações de cada um  fora da revista. Existem fatores como divulgação, distribuição e até fatores culturais que atuam nisso, gerando um problema que afeta muitos autores nacionais, tanto veteranos como o sangue novo. Como autores (e editor), vocês acham que é possível alterar o quadro? Se sim, o que precisaria acontecer?

Sérgio Chaves – “A melhor maneira de divulgar e distribuir a Café ainda é via internet e através dos nossos autores. Comercialmente, está longe de ser o ideal, mas a Café não é uma publicação essencialmente comercial. Além disso, as parcerias com alguns pontos como a Itiban, a Gibiteria, Ugra, a Monkix, a e a Comic House têm sido essenciais para a revista ganhar espaço. Porém, mesmo comercialmente, não é tão interessante para a Café estar em todas as livrarias, porque o nosso público não está nelas. Percebemos isso com o tempo, que a nossa revista não é pra um público que consome as grandes obras. Sob esse aspecto, ela é uma publicação marginal. Uma experiência que tivemos foi colocar a revista na Livraria Cultura, em São Paulo. Não foi muito interessante, porque o fluxo de clientes que a Cultura tem não é de leitores que teriam interesse pela Café, até pela proposta visual da revista, que não tem uma chamada de capa, não tem nada além da própria arte pra chamar a atenção. Então, com o tempo, passamos a focar as nossas energias em contatos e parceiros em livrarias que valessem à pena, que dialogassem com o nosso público. Essa noção só veio com a prática.”

Paulo CecconiNo ano passado (2015), a gente viu listas de melhores quadrinhos em tudo que é lado, tanto em blogs quanto em redes sociais. O prêmio Grampo, do VITRALIZADO, deu uma baita vitrine para o que rolou no cenário de HQ nacional durante o ano. O que vocês acham dessas listas? Pergunto porque sei que elas afetam muito que não entra nelas.

Melite – “Eu vejo as listas como reações positivas de leitores, porque na verdade, se você ver, não é um júri. Se for um júri e todo mundo ler tudo que sai, seria uma coisa mais justa. O cara leu tudo e ‘rankeou’ quais são os dez melhores. Eu acho até positivo você ter o seu nome numa lista e isso reverberar pra outros leitores, ela funciona como uma indicação, mas não vejo isso como um prêmio. Não acho que seja algo premiável e tão louvável assim.”

Alexandre Lourenço – “Eu acho que, putz, eu gosto das listas. Fazer quadrinho é algo muito solitário e acho que esse tipo de publicação ajuda a criar uma irmandade, uma comunidade de pessoas que têm quadrinhos em comum e querem conversar sobre isso. O lance das listas é que você não tem como ter certeza daquilo. A leitura que alguém faz da obra é algo muito particular e não é todo mundo que leu tudo que saiu. “

Sergio Chaves – “Como leitor eu gostava de acompanhar as listas. Como editor, não faz muita diferença. As listas não chegam a alavancar as vendas. Isso nunca ditou o nosso conteúdo ou se faríamos uma tiragem maior ou menor por causa de uma lista. Premiações, destaques, críticas negativas, essas coisas nunca afetaram nesse aspecto mais prático. Críticas negativas sim, deveriam repercutir no trabalho do autor porque, independente se você concorda ou não, deveria ouvir o seu leitor, refletindo e ponderando o que é pertinente e o que não é, claro. Mas essas listas são opiniões muito avulsas. Elas PODEM ajudar em vendas, mas não é algo concreto. E tem muito autor que fica cego, ele fica tão feliz por aparecer numa lista, acha que tá abalando com qualquer rabisco que faz… caras, não é bem assim. Então, tem que saber até onde levar a sério uma lista dessas. Taxar entre melhor e pior pode ser perigoso.”

APLAUSOS! ALLAN CHEGOU!

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Paulo CecconiVocês têm alguma opinião específica sobre o papel da crítica de HQs no Brasil, o que falta, grau de relevância, etc?

Sérgio Chaves – “Faltam críticos no nosso mercado. Na verdade, acho que o termo ‘mercado de quadrinhos’ é uma supervalorização do cenário. Mas faltam críticas bem construídas. Alguns sites pegam o release da publicação, colam alguns elementos novos, reeditam e publicam como resenha. Não é assim que a coisa funciona. O nível de qualidade do que temos ainda peca. Só em alguns casos pontuais o crítico fala com um bom embasamento, com reflexão, isento de amizade, isento de qualquer elemento que não seja a obra. Mas, como comentamos, um dos problemas em se publicar quadrinhos independentes é a distribuição. Outro problema é ter uma análise real sobre o seu trabalho, e eu não falo isso para os leitores, falo para a crítica, daqueles que seriam os especializados. E tem outro problema: muitos autores não gostam de ouvir críticas negativas, porque não sabem absorver ou relevar. Você deve ponderar até onde isso pode repercutir no seu trabalho, mas muitos autores levam pro lado pessoal. Então não sei se é por causa dessa barreira (natural) do artista, muitos críticos não publicam nada que não seja elogio. No caso da Café, a gente carece de críticas a cada edição. Temos algumas, mas pela abrangência de temas que publicamos, pelas linguagens que a gente aborda além dos quadrinhos, sinto que falta uma reflexão maior sobre o nosso trabalho, o que seria engrandecedor até pra pensarmos a próxima edição. Só que, às vezes, o cara não quer te chatear e não critica. É algo que eu espero que, com o passar do tempo caia. Pra mim é fundamental.”

Alexandre Lourenço – “Eu concordo com o Sérgio. Mas é um grupo pequeno, quem produz, quem critica, quem lê quadrinhos. Acho que essa pequenez do nosso meio influencia nisso. Mas acho a crítica negativa muito importante. Só cafuné não ajuda em nada. Acho que uns tapas na cabeça de vez em quando são importantes. Mas acho que é um processo que ainda tá em desenvolvimento.”

Sérgio Chaves – “E quando a gente fala em crítica negativa profissional, a gente espera que vá além do gosto pessoal. Isso é muito importante. Colocar o seu gibi em uma lista de piores é um rótulo muito pesado. Toda crítica, tanto positiva quanto negativa precisa ir além do gosto pessoal, porque senão cai na rodinha de amigos, com intenções além da própria reflexão. Tem que saber criticar, não adianta falar que é uma bosta e ponto final. Precisa haver uma reflexão.”

Melite – “Acho que vou falar mais ou menos a mesma coisa que o pessoal falou. Acho que no meio dos quadrinhos você acaba ficando amigo de alguém que faz quadrinhos, depois amigo de mais gente que faz quadrinhos e não quer ‘apanhar’ do cara porque você falou mal do quadrinho dele. O que você vai falar? Acho que precisa haver níveis de crítica. Você não pode criticar alguém que tá começando da mesma forma que critica alguém que já tá estabelecido. Acho que há maneiras de se falar de cada quadrinho, mas desde que acompanho sites, nunca vi alguém realmente acabando com o quadrinho do outro. Mas não é exatamente uma crítica, não existem exatamente críticos porque não existe mercado. Não tem como ter crítico a menos que existam pessoas que vivem de quadrinhos.”

Allan Ledo – “Acho a crítica extremamente importante, principalmente pra formação do leitor. Só que como o meio dos quadrinhos é muito fechado, a gente acaba pregando pra convertido. Acho que a crítica precisaria se desenvolver pensando no leitor.”

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Paulo CecconiAllan, o gibi Entressafra tem um viés político, aborda o capitalismo e as relações de trabalho, temas bastante pertinentes na tensão política à flor da pele que o país vive. A gente tem visto vários autores se posicionando, outros não. Vocês incentivam o posicionamento, acham que o autor deve se posicionar, ou pensam que não há lugar pra isso no entretenimento?

Allan Ledo – “Acho que tem, sim, lugar no entretenimento, precisa ter lugar. Eu não considero quadrinho arte, antes de mais nada. Essa ideia da arte pela arte tá muito ligada àquela coisa dos pintores no século XIX, que o valor da arte dele tá na própria arte, no próprio quadro. Acho que no século XX você tem que se posicionar, sim. A arte traz coisas que vão muito além da mera comunicação. Eu acho que a gente tem que pensar nesse sentido. O artista tem que se posicionar, senão, você tá favorecendo um discurso muitas vezes fascista, um discurso que não é o que a gente gostaria que acontecesse.”

Melite – “Se é uma obra de arte, se o autor tá disposto a fazer uma obra de arte, já é uma ação política. Não tem um ‘senão’ aí. Ele já tá disposto a falar sobre a sua verdade, e a sua verdade vai ser o seu posicionamento político. Só não me agrada o posicionamento panfletário, quando é uma coisa sem nuances. Eu acredito nas nuances, porque nós somos indivíduos, eu acredito no ponto de vista individual. Eu respeito o leitor como indivíduo, nunca como massa cega, que vai engolir o que eu vou falar. Acredito que ele vá ponderar o que eu disser, então eu vou dar o meu melhor a respeito da minha verdade.”

Sérgio Chaves – “Eu também acho muito importante se posicionar, mas eu vejo muito por aí, entre artistas, que há muita intolerância com opiniões divergentes. A intolerância, em qualquer aspecto, não dá espaço pra reflexão, pra diálogo, pra nada. E quando a questão envolve posições políticas, os ideais de uma pessoa, vejo que tem artistas e produtores que se posicionam e não aceitam outras opiniões como possibilidades, ou que não respeitam alguém que pense diferente. Isso é o que mata qualquer engrandecimento individual e coletivo. Então, acho que precisa sim se posicionar, tem que saber o que você tá defendendo ou combatendo, mas também entender a realidade de cada um. Não é só porque tá todo mundo no Facebook que temos as mesmas vivências, então acho que a tolerância é o mais importante pra qualquer discussão.”

Alexandre Lourenço – “Como autor, eu não produzi nada especificamente político no sentido ‘PT’, ‘PSDB’. Já tentei algumas coisas, mas nunca fica bom, o resultado não me agrada. Acho importante os quadrinhos do PEDRO FRANZ, que tanto na temática quanto na estética são uma porrada, bandas como Rage Against The Machine, mas quando eu tento fazer, não rola. Acho muito importante e acho que eu consigo passar algum valor, alguma coisa nas nuances, como o Melite falou. É a ideologia diluída por outros caminhos, diferente de colocar alguém de vermelho e alguém de azul saindo na porrada. Essa é minha forma de posicionamento.”

Melite – “O problema que eu vejo em algumas HQs e algumas obras que têm um posicionamento político forte é que, pensa na finalidade delas… são obras que vão ser lidas por pessoas que já gostam, que já concordam com o que elas têm a dizer. O objetivo não seria alcançar pessoas que pensam o contrário e tentar dialogar com essas pessoas? Acho que tá aí o desafio pro autor que quer publicar algo com o viés político: tentar pensar no outro. Hoje a gente vive muito concordismo, a gente tá cercado de pessoas que concordam com a gente e isso é o oposto do diálogo, isso é um monólogo, um monólogo que é reverberado por várias cabeças. Acho que esse é o verdadeiro desafio do autor político, pensar em algo que não carregue só os nomes do presidente X e do partido Y de forma ferrenha, mostrando os dentes, porque isso só fortalece os amigos dele, a corrente que ele já tem. Eu penso muito sobre isso.”

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Paulo CecconiEu queria puxar um gancho de uma ENTREVISTA que o Melite fez pro Vitralizado, na qual você comenta a respeito da sua preferência pela literatura. Mesmo que a questão já esteja mais esclarecida na ENTREVISTA que você deu pro blog da Itiban, conduzida pelo LIELSON ZENI (Lielson, beijão pra você), acho que a discussão é pertinente. Existe alguma preferência por determinada forma artística? Acham que quadrinhos precisam ser comparados a outras formas ou eles são suficientes em si?

Melite – “Se eu acho literatura melhor do que quadrinhos? Eu acho. De novo, volto pra questão do concordismo, ninguém precisa concordar comigo. ‘Ah, será que é verdade?’ ou ‘Ah, diz isso porque não leu os quadrinhos direito.’ É uma questão de conexão. Eu poderia falar que o cinema é melhor, poderia falar também que os quadrinhos são melhores. Eu me conecto melhor com a literatura, isso me marcou de várias formas, com vários autores, então, é o que me influencia mais.”

Alexandre Lourenço – “Eu acho que se os quadrinhos e a literatura fossem personificados num ringue, a literatura ganhava, mas eu entendo isso como uma questão de bagagem. Toda a história literária até hoje e a história dos quadrinhos. Eu acho que nesse caso a literatura tem mais força pelo tempo maior, teve um processo maior, um desenvolvimento maior. Mas eu prefiro quadrinhos disparado, mais do que qualquer outra forma de arte. A fusão de texto e imagem, todos os aparatos que os quadrinhos têm, é aí que acontece a arte. Eu gosto muito da forma, de como as pessoas se expressam, a ilusão de movimento na página, é onde acontece a magia. Claro que tudo me influencia, mas a minha forma de expressão, até como leitor, quadrinhos são insuperáveis.”

Allan Ledo – “Eu não acho que uma forma de arte seja superior a outra, até porque são mídias diferentes, cada uma traz as suas próprias possibilidades. Eu não acredito muito nos níveis culturais, não. Acho que o quadrinho oferece suas próprias possibilidades narrativas, assim como a literatura também. Por que uma coisa tem que ser melhor que a outra? Também acho que esse também é um discurso político que legitima uma cultura já consagrada, uma cultura antiga, em detrimento de uma cultura popular. São mídias diferentes. É como você comparar um livro com um filme. Na minha opinião, isso não se compara. O livro lida com um aspecto imaginativo muito pessoal, o filme é outra coisa completamente diferente.”

Sérgio Chaves – “Eu concordo com muita coisa de modo geral, mas com o Allan principalmente, até no aspecto de que não se compara. Como leitor, até pela própria pegada da Café Espacial, do que a gente publica, eu procuro me antenar com todas as linguagens que a gente publica, mas como narrativa, quando quero me expressar, automaticamente penso em quadrinhos primeiro (apesar de não saber desenhar).”

Teve mais um pouco de papo, mas pra não alongar demais a postagem, ficamos por aqui. Vale acrescentar que todos os autores têm planos para 2016, mas que foram pouco revelados. Leandro Melite trabalha no seu projeto vencedor do PROAC, uma história com uma pegada policial; Alexandre Lourenço lançará sua primeira HQ mais longa, sobre um cara cuja cabeça se desprende do corpo e vai “passear”, enquanto o corpo segue uma rotina mais padronizada, além de um projeto em parceria com o Lielson Zeni (Lielson, beijão pra você); Sérgio Chaves prepara mais um volume da Café Espacial; e Allan Ledo está trabalhando em uma história escrita pelo Sérgio.

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