[Vem Comigo] Aula de História

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Faz um bom tempo que eu considero os bastidores de algum assunto que me interessa, seja gibi, filme, música ou o que o valha, mais interessante do que a mídia em si, pelo menos muitas vezes.

Aqui no Brasil, o registro desses bastidores, da história dos gibis, é bastante rico, graças a alguns escritores e pesquisadores empenhados, e não é só por eu achar muito legal, mas também importantíssimo, que resolvi dedicar o Vem Comigo de hoje a estes registros. São livros que contam partes específicas da história, outros sobre como tudo começou, alguns sobre autores em particular. Alguns descrevem situações que me revoltaram, outras até puxaram uma lágrima da minha cara. Não é uma lista restrita à história dos quadrinhos no Brasil. Espero que curtam essa seleção que não possui a menor intenção de hierarquizar nenhuma obra.

A Guerra dos Gibis

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Este é talvez o principal, ou o mais conhecido, livro sobre a história dos quadrinhos no Brasil. O autor Gonçalo Júnior conta em detalhes a chegada da mídia no país, uma investida suada, em especial por parte de Adolfo Aizen, fundador da EBAL, suas estratégias de negócio, a qualidade e a preocupação com o produto, os problemas que teve com seu ex-patrão e concorrente Roberto Marinho e a reação da censura cagona e conservadora, que fazia o que qualquer censor adora fazer: jogar a responsabilidade em qualquer  alvo colorido e óbvio. O Gonçalo é um dos pesquisadores da área de quadrinhos mais conhecidos no país, e um dos que mais produziu esse tipo de material. A exposição da censura e do lodo corporativo não se limita só a este livro.

A Guerra dos Gibis 2 – Maria Erótica e o Clamor do Sexo

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Período de ditadura militar e os holofotes apontavam não só pros gibis, mas também pras revistas de mulher pelada (ou qualquer publicação que mostrasse uma teta ou um pinto – penne, como costumo dizer). Em Guerra dos Gibis 2, Gonçalo explicita o combate travado pelos guardiões dos bons costumes contra publicações dos editores Minami Keizi, da Edrel, e Claudio Seto, da Grafipar, e também a luta deles contra a pesada mão da autoridade em plena década de revolução sexual. E essa ainda não é a bomba final do Gonçalo contra a ditadura.

A Morte do Grilo

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A censura e a ditadura não eram o foco do autor quando ele se propôs a escrever A Morte do Grilo, mas sim, produzir um registro sobre a publicação no Brasil da revista O Grilo (que era excelente, diga-se de passagem). Porém, como a ditadura foi um fator determinante no cancelamento da publicação, foi inevitável que o livro se transformasse em mais uma obra sobre resistência editorial. Já faz um tempo que li e queria dizer o motivo concreto aqui, mas não lembro. Só recordo que este foi um dos livros que mais me tocou.

O Quadrinho Erótico de Carlos Zéfiro

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Apesar de não ser um livro sobre a censura, foi ele quem motivou o Carlos Zéfiro (pseudônimo do autor Alcides Aguiar Caminha) a fazer o que fez e, por consequência, gerou a sua lenda. Zéfiro ficou tão famoso pelas revistas de putaria que criou, que seu nome virou sinônimo do gênero: Zéfiro era revista de sacanagem, barata e clandestina, não tinha erro. O autor não era o único a investir nesse tipo de publicação, mas não foi por nada que se destacou. Dá um bizu no livro pra saber por que e ficar um pouco mais ligado nesse movimento muito maneiro dos quadrinhos clandestinos.

Vida Traçada

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Voltamos ao Gonçalo Júnior, agora com uma biografia curta, porém, rica de um dos melhores artistas brasileiros, e também um dos mais injustiçados: Flavio Colin. Gonçalo conta tudo, desde a infância inusitada, que envolve ser sequestrado pelo pai, até as lutas por trabalho nos dias finais. Lindo e triste de morrer.

The Ten-Cent Plague

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É bem possível que eu teria comprado esse livro só pela capa do Charles Burns. Felizmente, o conteúdo é uma teteia também. A censura nunca foi um problema só no Brasil. Entre a Segunda Guerra Mundial e o meado dos anos 50, quando as histórias de suspense e terror e agonia e depravação e cacete a quatro eram um incômodo do caramba pra quem publicava super-heróis, o fantasma dos bons costumes assombrava, convocando fogueiras em praças públicas e forçando editores a se apresentar na frente de um comitê governamental. O livro traz detalhes dessa perseguição, desde os estragos causados pelo famigerado Seduction of the Innocent e os abusos burocráticos contra a EC Comics. Um dos meus livros favoritos sobre o assunto.

A Reinvenção dos Quadrinhos

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O multifacetado Álvaro de Moya registra um momento muito dos gibis no Brasil: a Primeira Exposição Mundial de Quadrinhos, que aconteceu em junho de 1951, em São Paulo. A intenção da exposição era mostrar os quadrinhos como uma forma de arte autêntica (batalha que uma galera trava até hoje), e pra isso reuniu originais de um pessoal massa, como Milton Caniff, Will Eisner, Hal Foster, Al Capp e outros. Detalhes sobre a exposição e o reconhecimento tardio constam no livro.

Homens do Amanhã

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O Art Spiegelman, na quarta capa do livro, resume melhor do que eu poderia: “A incrível e tocante história dos trambiqueiros, trouxas e tapados que deram origem ao herói de quadrinhos.”

Enfim, a criação do Superman (e alguns outros super-heróis), seu impacto na indústria, as negociações para que fosse publicado, as passadas de perna e a resistência dos criadores. Chorei no final. Um dos meus favoritos. É só o que tenho a dizer sobre este.

O Homem Abril

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A história da editora Abril e um de seus mais importantes funcionários, Cláudio de Souza. A ditadura deixa uma marca muito cruel também nesta história. Mesmo não sendo um dos trabalhos mais conhecidos do Gonçalo, vale tanto quanto qualquer outro.

The Secret History of Wonder Woman

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Outro livro que eu possivelmente teria comprado pela capa, só que não foi o caso. A autora Jill Lepore traz detalhes (muitos) da vida do criador da Mulher-Maravilha, William Moulton Marston, seu relacionamento poligâmico, suas posturas políticas e sociais, em especial em relação ao feminismo, e tudo mais que influenciou na criação da personagem. Uma baita pesquisa minuciosa e uma história envolvente pra burro.

Tentação À Italiana

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Livro imenso, lindo, de babar a cada virada de página. Aqui o Gonçalo comenta sobre a história dos quadrinhos na Itália (se você acha que esse é livre de censura, enganou-se), como a proibição de quadrinhos americanos no país contribuiu para que artistas talentosíssimos, capazes de contar histórias sem os clichês ianques e o impacto mundial dos quadrinhos cheios de violência e erotismo provenientes deste tesão de República (hã, hã) pudessem aparecer.

E o que você acha?