Convidamos um camarada do Kitinete HQ pra falar da aposentadoria de Angeli na Folha de S.Paulo. Com vocês, Rodrigo Scama.
Então Angeli deixou a Ilustrada… Acabou o Chiclete, acabou a Banana.
Confesso que é um sentimento esquisito, não porque eu leia a Folha de São Paulo regularmente, ou mesmo porque esteja em São Paulo, já que moro em Curitiba. Mas porra, essa tira mudou a forma de enxergar os quadrinhos no Brasil. Lógico que Angeli não andava sozinho e havia monstros ao seu lado, como os demais amigos Glauquito e Laertón, mas o Angeli era diferente.
Era diferente porque conseguiu sintetizar – como chargista – momentos brasileiros como poucos conseguiram e, num ímpeto de criatividade, decidiu assumir dupla função, criando a tira Chiclete com Banana, que também sintetizava o Brasil. Mas de outro jeito.
A tira Chiclete com Banana criou tipos incríveis e incontroláveis como Bob Cuspe, Rê Bordosa ou os Skrotinhos. Tão incontroláveis que seu criador não teve outra alternativa a não ser mata-los. Essas personagens riam do Brasil, riam do brasileiro, mostravam como nossa sociedade era besta e metida a esperta. Bob Cuspe cuspia na sociedade porca. Rê Bordosa fazia o que queria, mas não escapava da culpa que a jogava na banheira. Os Skrotinhos sacaneavam com todo mundo, tal qual nossos políticos, de esquerda, de direita e de centro. E o que falar de Wood e Stock, que pararam na psicodelia dos anos 1970 ou Meiaoito e Nanico, que pararam na revolução comunista e não perceberam que o Brasil mudou? Isso sem falar nos dois ícones do Eu. Walter Ego, a expressão máxima do egoísmo e o próprio Angeli, que não raras vezes era criador e criatura.
Com esta fauna em mente, foi criada um pouco depois, em parceria com o onipresente Toninho Mendes, a revista Chiclete com Banana. Ela foi a maior força de expressão gráfica do jovem brasileiro. Não fosse o puzta stress de levar uma revista em tempos de hiperinflação, ela teria durado mais. Muito mais. Afinal, deixa saudade até hoje nos atuais quarentões e cinquentões que nunca mais viram uma publicação com tamanha ousadia e repercussão. A Chiclete com Banana, apenas para deixar claro, chegou a vender 90.000 cópias por edição. Mesmo sendo a revista mais cara das bancas (e com o pior papel).
A seu modo, Angeli também foi um gênio. Não tão inovador quanto Laerte e nem tão porra louca quanto Glauco, mas sempre um criador de tipos muito bom. Para um cara que deixou de estudar para virar punk (ou porque foi expulso depois de reprovar três vezes o primeiro ano do Ginásio) seu legado na Folha é espetacular. E devemos lembrar que ele foi chamado para trabalhar lá aos 17 anos, quando Claudio Abramo percebeu que aquele moleque que ficou em terceiro lugar no Salão de Humor de Piracicaba tinha algo a dizer. E disse.
A principal escola de Angeli foi a vida e, claro, as manchetes absurdas de um país absurdo. Desde as manobras para driblar a censura até o impítima da Dilma, Angeli viu tudo, comentou sobre tudo, riu de tudo. Um riso cínico, maldoso, canalha. Angeli, tal qual sua contraparte nas tiras de Angeli em Crise é, em sua maior parte, um cara que debocha da vida. Da vida, de tudo e de todos.
E é esse deboche, essa canalhice, que este país precisa. Porque não é sério. Porque tem Cunhas, porque tem Sarneys, porque tem Collors. Esse país precisa de Angeli. Porque a única arma contra bandidos canalhas é um sorriso matreiro, mais canalha e mais sacana.
Rodrigo Scama é doutor em quadrinhos pelo departamento de História da UFPR com uma tese sobre o rock nacional dos anos 80 e os quadrinhos da Chiclete com Banana. É professor e apresenta semanalmente o Kitinete HQ, no qual fala de quadrinhos com Liber Paz. É um programa bem divertido, assitam. 😉