[Teteia Pura] Bernie Wrightson

wrightson_bernieAno passado, quando vi as capas da nova série do Richard Corben, Rat God, pensei “Rapaz… o cara tá com 76 anos e produzindo material desse calibre… que coisa, pode muito bem ser o último trabalho do cara…” (e, passado um ano, agora estou babando com a capa da mini Shadows in the Grave, dá um bizu que vale). É aquela percepção óbvia, mas que, geralmente, a gente só se dá conta em momentos específicos: nossos heróis de infância de adolescência não têm mais muito tempo nesse plano e a gente vai perder mais do que pensamos nos próximos anos.

Nem preciso lembrar a carnificina que foi 2016. É claro que a gente sempre vai achar triste a morte de um ídolo, mas eu decidi parar de lamentar a morte dos meus ídolos. Acho que o que a gente deve fazer é celebrar as suas vidas, isso sim. Eles fizeram o que tinham que fazer, deixaram um puta legado e isso deve ser enaltecido. Gente como Jack Davis, Muhammad Ali, David Bowie e Gene Wilder fizeram mais em um tempo de vida do que a maioria de nós faria em 300 anos, e certamente o Bernie Wrightson tá nessa lista.

Eu não vim aqui enumerar todos os feitos do homem (como cocriar o Monstro do Pântano), só falar um pouco sobre como ele me afetou, então, se estiver afim de informações sobre a carreira dele, a internet tá aí.

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Eu amava as histórias de super-heróis desenhadas por ele. A primeira que li foi a Graphic Marvel 1, da Abril, uma puta história do Hulk com o Coisa, com roteiro bem-humorado do Jim Starlin. Tinha também a Graphic Novel 4, com o Homem-Aranha (as cores e a vivacidade que o Wrightson dava para os heróis é igualável a textura única dos desenhos). Mas foi quando li Batman, O Messias que eu tive o primeiro vislumbre do mundo de horror do Wrightson. Claro, ainda numa roupagem super-heroística, mas num tom bem diferente do que eu tinha lido até então. Foi esse gibi que me fez pesquisar sobre o cara e, então, descobrir que ele era famoso por histórias de terror.

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Pode babar nestas páginas da Graphic Novel 4, da Abril

Muitos anos se passaram até eu descobrir que o mesmo artista de O Messias tinha ilustrado uma versão de Frankenstein. Fã desde cedo do filme do James Whale, de 1931 (com outro grande herói meu no papel do monstro, Boris Karloff), fiquei alucinado. Eu precisava ter aquilo. Consegui adquirir só na fase adulta, mas tive acesso as ilustrações muito antes disso. E eu não sei exatamente como descrever a experiência. O que eu sempre mais gostei no filme do Whale (e que acho que ele acerta mais ainda em A Noiva de Frankenstein, de 1935), era o clima gótico, os cenários, a ambientação. E, rapaz, o mesmo sentimento estava naquelas páginas. Não da mesma maneira, mas na própria voz do Bernie.

E quando eu descobri que essa qualidade gótica, soturna, se estendia por toda sua obra, ficou bem claro o patamar hierárquico que esse cara ia tomar nas minhas classificações pessoais. Estava ali um cara que ia proporcionar aos quadrinhos a mesma magia que eu sentia ao ver filmes de terror. E espero que as pessoas perceberam que tarefa difícil é essa. No cinema a gente tem som, trilha sonora, recursos que auxiliam bastante na criação da atmosfera do horror. O Bernie produzia o mesmo efeito isso com lápis, nanquim e papel.

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Frankenstein

Conhecendo ou não a carreira do Wrightson, eu recomendo muito pelo menos duas obras: Frankenstein, publicado pela Mythos em 2014, e a coletânea Creepy Presents, da Dark Horse, que compila várias histórias publicadas nas revistas CreepyEerie. A coletânea contém as excelentes The Black Cat, baseada na história do Edgar Alan Poe; Cool Air, baseada num conto do LovecraftNightfall, escrita por Bill Dubay; e talvez a melhor história da coletânea, Jennifer, escrita por Bruce Jones. Essa história, aliás, é um dos melhores episódios da excelente série Masters of Horror, dirigido pelo Dario Argento. Essas duas publicações são uma boa porta de entrada pro terror único e característico que o ele produzia.

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Wrightson também fez contribuições ao cinema, com as artes conceituais para o filme O Nevoeiro…
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… e até Os Caça-Fantasmas de 1984.

O final da vida do Wrightson foi compartilhado na internet, tanto na página do Facebook quanto no site do artista, pela esposa Lisa e o próprio Bernie, além do amigo Tim Doyle. A evolução de seu tumor cerebral, as melhoras e pioras eram divididos com os fãs, um ato de aproximação que acrescentava mais uma qualidade diferencial ao quadrinista, que recebia inúmeros comentários solidários e desejos de melhoras. Em janeiro de 2017, ele e a esposa postaram que, devido a piora do quadro, ele não produziria mais novas obras. Mesmo que trouxessem pitadas de eventual tristeza, era inevitável acompanhar as postagens. A oportunidade de acompanhar o estado do nosso herói estava ali, e nenhum fã viraria o rosto, por mais difícil que fosse.

Obrigado e boa noite, Sr. Wrightson.

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