
Oficina virtual de quadrinhos potenciais
Na semana retrasada, tive a graça de ministrar uma oficina no SESC Belenzinho, em São Paulo, para crianças, como parte do evento UGRA FEST. Fiquei um tantinho preocupada: professorinha de formação, quando dava aula para crianças, acabava motivando a bagunça, e coordenadores e inspetores me olhavam sempre feio (“falta de pulso”).
Mas, ora, essa era a minha deixa: as crianças viriam para brincar num sábado no SESC, e teria a tia dando papel e lápis de cor para desenhar. Só que: oubapo é criação a partir de regrinhas, criações coletivas. Teria que apresentar, logo de cara, o pacto: pode desenhar, mas tem que aceitar o desafio.
Chegando lá, porém, o primeiro desafio foi convidar crianças a se sentarem à mesa. O lugar era ótimo para mim: entre a exposição de zines e as mesas dos autores. Dava pra ver o mar de gente logo ali, na frente.
Só que eu não contava com duas coisas: o horário era pouco frequentado, e o parquinho era logo ao lado. Então, apesar de ter pensado uma oficina toda dirigida para o trabalho em grupo para maiores de 8 anos (queria fazer com que escrevessem), sentaram comigo bebês de 3 até um rapaz de 13. Com a rotatividade, acabamos fazendo atividades individuais, e praticamente até dois exercícios por criança.

SUBSTITUIÇÃO TEXTUAL
Uma das restrições mais simples do OuBaPo, a reinterpretação textual, é simples para ser usada a qualquer idade, até para crianças que estão começando a contar histórias. É o ato mesmo de ver as imagens e tentar ler outra coisa nelas, quando a gente nem sabe ainda escrever.
ERUDIÇÃO
Como disse o Italo Calvino, em suas lições americanas, sobre os quadrinhos que “lia” no Corriere del Piccolli:
Mas eu, que ainda não sabia ler, passava otimamente sem essas palavras, já que me bastavam as figuras. Não largava aquelas revistinhas que minha mãe havia começado a comprar e a colecionar ainda antes de eu nascer e que mandava encadernar a cada ano. Passava horas percorrendo os quadrinhos de cada série de um número a outro, contando para mim mesmo mentalmente as histórias cujas cenas interpretava cada vez de maneira diferente, inventando variantes, fundindo episódios isolados em uma história mais ampla, descobrindo, isolando e coordenando as constantes de cada série, contaminando uma série com outra, imaginando novas séries em que personagens secundários se tornavam protagonistas.
(Cia das Letras, tradução de Ivo Barroso, 1990. O contexto do parágrafo, aqui.)
Para Calvino, foi essa falta de saber ler que o fez “imaginar”, e a fabular suas próprias histórias. Na alfabetização, pede-se à criança para tentar imaginar o que está acontecendo na página do livrinho. E, junto dela, o professor vai tomando nota da história, e ajudando-a a ver como se escreve.
Os oubapianos, porém, tomam o texto de uma história clássica de assalto, à maneira dos situacionistas, para recontextualizar a imagem, com a simples alteração do texto.
Um dos exemplos já clássicos é a “ontologia das histórias em quadrinhos” apresentada por François Ayroles (1969-) a partir de um desenho de Jean Graton (1923-). O desenho de Graton, famoso por seu Michel Vaillant, um herói íntegro e automobilista (1957, 72 álbuns publicados desde então). O texto de Ayroles lamenta o próprio desenho sem expressão e brinca com o discurso apologético dos críticos fanáticos por de quadrinhos.

PRODUÇÃO

Para a produção, entreguei a cada criança (e uma mãe, que também participou!) uma página (reduzida) do Little Nemo in Slumberland (1905-1913), do Winsor McCay (1869-1934).
Enquanto a mãe tentou entender o movimento do Nemo sobre a ave gigante,
… a menininha de 7 anos imaginou esse diálogo aqui: num dado momento, eles conversam sobre irmãos.
Esse outro já imaginou uma briga entre os dois, desde o início.
Para quem quiser, o texto de McCay está aqui (em inglês).
A segunda atividade foi reinterpretação gráfica de um quadrinho da Mônica: eles só receberam os textos e os quadros distribuídos, tendo que recontar a história. Seguem suas explicações:
CRIAÇÃO
Você pode imprimir essa página do McCay e também compor a sua história. Vamos lá?
1,
2,
3…
já!
Mande pra cá: balburdeio@gmail.com
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