Já ouviu falar em sincronicidade? É um termo usado pelo psicólogo Carl Jung que, basicamente, designa um princípio de conexões que possuem significado para o observador. Por exemplo, você pensa numa pessoa, o seu telefone toca e é ela te ligando.
Muito gente já passou por isso. Os mais céticos (que muitas vezes se autodenominam racionais) preferem chamar de coincidência, mas existem outras leituras, outros olhares em cima de uma situação assim. Acho que a opinião varia de acordo com as experiências e de como você vê a vida.
Enfim, estava eu num bar com a minha esposa há algumas semanas e falávamos sobre os livros que lemos no período inicial do nosso namoro (não lembro como chegamos no assunto). De Saramago e García Márquez passamos a Milan Kundera e Álvarez de Azevedo e, em algum momento, falamos do Cheiro do Ralo, do Lourenço Muttarelli. Minha esposa me deu esse livro há anos e, apesar de eu conhecer o nome do Muta pelos gibis, não conhecia as investidas dele na prosa. Naquela época eu era assim mesmo, a comunicação era bem mais escassa e eu não ia muito atrás das coisas, não. Enfim, ela me deu o livro, disse que achava que eu ia gostar e, claro, não deu outra. Li naquela semana mesmo e adorei. Passei o recado pra ela e conversamos bastante sobre tudo o que tínhamos curtido sobre o livro.

De volta ao bar e a conversa que essas lembranças nos engataram, a Lu (esposa) soltou “E sabe quem foi que me indicou esse livro naquela época? A Mitie!” Eu voltei “A Mitie?” de cara com a revelação (um dos momentos mais M. Night Shyamalan da minha vida).
Eu não conhecia a Mitie naquela época, não ia a Curitiba e nunca havia pisado na Itiban. A minha esposa, no final de semana anterior a que me deu o livro, estava em Curitiba pra um evento da faculdade que cursava e visitou a loja. Ela conversou com a Mitie (sem saber que era a MITIE) e disse que tinha um namorado que lia gibi, que gostava disso e daquilo, que gostava de gibi nacional e, segundo ela, a Mitie falou “Leva isso pra ele, então. Ele vai gostar.”
Revelação total aqui, fiquei muito emocionado com a história. Veio lágrima no olho. A Naquela época, eu não fazia ideia que, anos depois, eu frequentaria a Itiban, conheceria a Mitie, uma mulher que eu descrevo com o termo “Foda!” sem nenhuma ressalva ou reconsideração, e que ela, sem me conhecer, indicaria pra minha esposa um dos meus autores favoritos de todos os tempos. Não sabia que ia rir com a Mitie, dar abraço nela sempre que entrasse na loja, que seria recebido com o carinho característico dela, que sentaríamos em mesa de bar pra beber nas visitas a Curitiba. A vida é um emaranhado de coisas estranhas e maravilhosas.
Essa lembrança por parte da Lu fez a gente passar a semana inteira conversando sobre a Itiban, sobre a experiência de visitar a loja, sobre conversar com o pessoal, sobre as mesas de bate-papo pra lá de enriquecedoras em lançamentos que a Mitie promove em longas tardes de sábado, quando ela poderia ir pra casa descansar.

A palavra “experiência” apareceu repetidas vezes na conversa, significando o oposto de uma venda fria e rápida online, mas uma experiência de integração, comunhão, troca de ideias e crescimento, uma experiência de dedicação por parte de quem visita uma loja e quer mais do que só pagar e consumir sem se preocupar com a qualidade e dedicação de uma proprietária que vai te ouvir, prestar atenção e indicar um material que tem grande probabilidade de você gostar, não só porque garante uma venda, mas por questão de carinho. A Mitie ama o que faz. Já viu as iniciativas que a Itiban faz pra fomentar a cultura das HQs? Fora os supracitados bate-papos na loja, tem os post-its que clientes podem colocar em capas de gibis com comentários sobre a leitura, indicações (isso é praticamente um review colado na cara do gibi!) e agora tem o clube de leitura. Rola isso em compra online?

Passaram uns dias e lembrei que essa não foi a única vez que eu tive uma ligação com a Mitie antes de saber quem a Mitie era. Quando eu tinha uns 15 anos ouvi Okotô na casa de um amigo pela primeira vez. Éramos uma molecada de bairro, ouvíamos muito hardcore, e o riff pesado e furioso de Don’t Fuck My Head fez um bando de piá sem pelo na cara pogar dentro de um quarto quente e quebrar o estrado de uma cama.
Descobri que a Cherry era irmã da Mitie só quando li a notícia sobre o falecimento no Facebook. A Mitie tinha uma irmã foda que tinha uma banda foda. Faz sentido.
Eu adoro ir na Itiban. A minha esposa, que não lê quadrinhos, adora ir na Itiban. Saber que a Mitie se envolveu no meu crescimento como leitor E como pessoa, via as mãos da minha esposa, “acalenta o coração”, descreveria um poeta brega tentando ser foda no vernáculo brasileiro.
Brigadão, Mitie, de coração.
Vida longa à Itiban.
PS – todas as fotos utilizadas foram tiradas da página de Facebook da Itiban sem permissão. Por favor, não me processem.