Estes foram os aniversariantes do final de semana passado : Karl Marx, comemorando 200 aninhos no 5 de maio, e Sigmund Freud, com suas 162 primaveras completas no dia 6.
Além da proximidade do aniversário dos dois taurinos, gostaria de chamar a atenção para os álbuns em quadrinhos produzidos por Corinne Maier e Anne Simon.
Corinne Maier nasceu em Genebra, Suíça, tem formação em economia e atualmente se dedica à psicanálise e à escrita. Dos seus livros, destaco O Elogio da Preguiça (publicado no Brasil pela editora Campus-Elsevier, em 2007) e Sem Filhos (Intrínseca, 2008).
Em parceria com a ilustradora e quadrinista francesa Anne Simon, produziu para a editora Dargaud três biografias em quadrinhos: Freud, Marx e Einstein. As duas primeiras foram publicadas no Brasil respectivamente pela Quadrinhos na Cia (2012) e pela Barricada (2018).
Freud me parece visualmente mais interessante do que Marx. Talvez tenha a ver com a natureza dos temas de Freud, voltados para o “mapeamento” da mente, dos conjuntos simbólicos, do inconsciente e, acredito, da imaginação. Daí que Freud é uma história em quadrinhos cheia de analogias, trocadilhos e brincadeiras visuais.
A arte de Simon às vezes têm um quê de ilustração infantil, às vezes parece um infográfico despretensioso. E ainda tem o layout da página, pensado a partir da proposta de uma narrativa de ritmo bem pontuado por representações breves e precisas de momentos da vida de Freud. Isto é, a história se estrutura em pequenos episódios que se sucedem imediatamente, ainda que às vezes separados por vários anos. (Mais ou menos o que o Clowes fez em Wilson).
Este é o Freud, de Corinne Maier, que se apresenta já na primeira página e vai nos conduzindo por toda sua vida, contando suas ideias, seus desencontros, suas falhas. Acho particularmente bacanas os casos relatados (Dora, Anna O., o Homem dos Ratos) e as representações das ideias e teorias da psicanálise.
Acho que essas páginas da Simon são muito boas pra pensar com aquelas categorias de articulação de imagens que o Groensteen propõe em O Sistema dos Quadrinhos. Se for por aí, dá até pra começar a pirar em cima das coisas que fazem os quadrinhos serem histórias em quadrinhos. Tipo os modos como os elementos (quadrinhos, imagens, texto) podem se articular no layout das páginas e interferir em coisas como a construção da noção de um “não-tempo” em relação à narrativa dos eventos. O Freud de Corinne continua narrando sua história. Mesmo depois de “morto”.
Essa mesma estrutura de ritmo também aparece em Marx. Assim como Freud, ele nos recebe na primeira página. Mostra-se um super-herói, de capa vermelha, voando para combater o capitalismo. Na figura, não sei se Corinne quer insinuar que as ideias de Marx são inocentes como as fantasias infantis ou se buscar a revolução requer a coragem e determinação daqueles incríveis personagens. Ou as duas coisas. Sei lá.
Eu acho que, apesar de figuras como o super-herói, Marx é menos “fantástico” do que Freud. Assim como em Freud, teorias e eventos de Marx são representados com brincadeiras visuais e layouts didáticos. Com o estilo do desenho, a coisa toda às vezes parece algo como “Marx para crianças”, mas eu gosto muito do esforço de tentar tornar acessíveis as ideias do barba.
Na vida de Marx, imprescindíveis foram as pessoas ao seu redor. Jenny, sua companheira de toda a vida, as filhas Jenny, Laura, Eleanor, o parceiraço Engels. No privado, Corinne mostra um Marx comprometido com o trabalho, mas embolado com as próprias finanças, oscilando em vários momentos entre a miséria e uma condição mais confortável, crítico e apreciador de confortos burgueses. Ainda que com suas diversas contradições, o Marx de Corinne apresenta uma vontade sincera de mudar o mundo e acabar com a exploração capitalista. Um Quixote ou um super-herói.
50 e poucas páginas não dão conta de uma vida e parecem tímidas diante de todos os muitos livros escritos sobre esses personagens, mas acho que Corinne fez um belo ensaio a partir de sua visão particular. Um ponto em comum entre Marx e Freud que vale ser apontado é a representação da identidade judaica. Nas duas obras há passagens muito semelhantes que destacam esse aspecto.
Publicado em 2016, Einstein aparentemente conclui o projeto, supondo que se tratava de uma trilogia. De qualquer forma, a Nobrow já lançou uma coletânea com os três. Acho um material muito bonito e vale muito não só pra ter conhecer os três “heroes of mind“, mas também pra pensar sobre muitas coisas. Talvez, principalmente, sobre quadrinhos.