A infância muitas vezes é pensada como momento nobre de nossas vidas, que deve ser protegida a qualquer custo, pode também ser muito sombria. Esse é o norte da coletânea e Charles Burns, Big Baby (DarkSide, 2019, tradução de Daniel Pellizzari).
Charles Burns ficou conhecido no mundo todo, inclusive por aqui, por Black Hole (Darkside, 2018, tradução de Daniel Pellizzari) – que é tipo o melhor gibi de mutantes adolescentes que você vai ler – e agora chega também Big Baby, que coleta algumas das primeiras histórias do autor, todas com o protagonista infantil Big Baby.
AVISO IMPORTANTE: antes de seguir, preciso avisar que sou editor assistente na DarkSide Books e trabalhei na preparação do texto traduzido pelo Pellizzari para este livro. Por mais que tente ser justo na avaliação do material, leve sempre em conta que trabalhei nele (e quem jogou horas de labuta em algo sabe como isso pode fazer com que a gente não veja bem o todo). Obrigado por tudo e desculpe qualquer coisa, sou apenas um piá simplório do interior.
A arte de Burns segue a mesma linha de Black Hole (na real, é ao contrário, já que Big Baby saiu antes), com volumes de pretos e brancos bem definidos, e hachuras grossas. Burns faz muito bem esse desenho carregado de nanquim, com proporções e perspectivas naturalistas. Os desenhos de poucos detalhes formam composições bastante preenchidas enquanto os rostos são desenhados com menos traços, porém, de forma muito expressiva.
Isso tudo aqui vai a serviço de histórias de aventura infantil, em que o nível de macabro e bizarro é jogado lá para cima. E justamente ao conectar infância a temas típicos do terror e suspense, Burns consegue tramas nada pueris, com assassinato, monstros e paranoia. O conto “Peste Juvenil” traz (além do monstro que seria inspiração para Mike, do Monstros S/A da Pixar, anos mais tarde – interessante pensar como as duas obras unem o terror e o infantil de formas muito diferentes) a semente de Black Hole: adolescentes com doença deformativa sexualmente transmissível.
Em histórias como “Maldição dos Toupeiras” e “Clube de Sangue”, o personagem Big Baby funciona como espécie de testemunha dos eventos. Claro, não está ali apenas como observador e sua presença traz elementos e ações para a trama, mas ele como que vai a segundo plano enquanto a linha narrativa principal realmente emerge aos olhos do leitor.
Acho fascinante ver o percurso de autores como Burns e acho que meu principal interesse em Big Baby é justamente isso: a formação de um grande quadrinista.
As histórias foram publicadas em publicações diversas desde o começo dos anos 1980 até a década seguinte. “Big Baby” saiu na revista de Fançoise Mouly e Art Spiegelman, Raw; “Maldição dos Toupeiras” foi publicado como livro direto (e algumas vezes republicado); enquanto “Peste Juvenil” e “Clube de Sangue” surgiram como tira de jornal, depois coletadas e adaptadas em álbum. Ou seja, o livro também acompanha um passeio de Burns por diversos formatos.
Você pode só ler histórias desse piazinho esquisito Big Baby e já vai valer sua leitura. Mas pode ser que você se interesse em entender o processo de Charles Burns e este livro vai te oferecer isso também.