Sabe aquela história contada e recontada tantas vezes que meio que todo mundo conhece? Pois Golias, de Tom Gauld (Todavia, 2019, tradução de Hermano Freitas) consegue trazer um novo ponto de vista da história bíblica de Davi e Golias.
Tom Gauld é mais conhecido pelas tiras e cartuns sobre escritores e obras literárias (inclusive, seu trabalho saiu algumas vezes na revista Piauí). Desta vez, ele reconta o mito de Davi e Golias para trazer o leitor para o lado do gigante derrotado.
Na história de Gauld, Golias é um funcionário burocrático do exército fariseu, muito pouco hábil com armas e estratégias de combate e que acaba colocado em posição de luta por conta da ideia “genial” de algum superior.
Esse pressuposto bastante simples nos conduz ao lado do gigante (de acordo com a Bíblia, ele tinha quase 3 metros de altura), com doses de melancolia, de alguém obrigado a fazer um trabalho que não sabe fazer (e que sabe que não sabe), alguém que por maior que seja em seu corpo, tem uma voz miúda, que não se levanta e protesta. Um ar melancólico e de destino definido cobre todo o quadrinho, não só por já sabermos o desfecho da história, mas também pelos vazios e silêncios.
O desenho mínimo de Gauld coberto por hachuras dão muito espaço para o leitor se enfiar em meio a história, além do recurso de diversos quadros sem palavras entre outros quadrinhos verbais. A trama é basicamente da espera de um combate até chegar ao final que todos conhecemos.
É um livro que lembra obras como Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, e A Montanha Mágica, de Thomas Mann, em que a quietude e mansidão externa da espera e da expectativa afogam a possibilidade mesma de ação. Ou melhor, de salvação: algo é proposto, se sabe como aquilo termina, se sabe que não vai terminar bem, mas, mesmo assim, não pode ser evitado.
É a única leitura aceitável de uma guerra do ponto de vista humano; justamente, o tema dessas três obras, em que o combate circunda os personagens, mas é, certamente, o que menos importa.