Qualquer obra do Gilbert Hernandez publicada por aqui é motivo pra celebrar e este O Dia de Julio (Nemo, 2019, tradução de Jin Anotsu) é belezura demais.
Este livro, especialmente, fornece uma boa introdução ao trabalho de Gilbert Hernandez: a história tem sensibilidade humana, a passagem do tempo, as gerações familiares, o fantástico que chega discretamente em meio ao cotidiano e, o que é o principal do autor pra mim, a celebração da vida.
Com tantos motivos que nos chamam ao ódio e ao desejo de morte e de silêncio, uma obra que exalta o simples valor da vivência é absolutamente necessária.
O Dia de Julio conta a história do personagem do título, desde o seu nascimento, até sua morte, com 100 anos de idade. A escolha de Hernandez é colocar alguns dias claramente importantes na vida dele e outros subjetivamente importantes, me busca de um efeito de real quanto a impressão que temos a partir da memória.
A noção da peripécia atrás da peripécia não importa muito aqui, a grande força deste livro, assim como da série Palomar (até agora dois volumes pela Veneta: Sopa de Lágrimas e Diastrofismo Humano), é acompanhar personagens que crescem, casam, tem filhos, morrem; personagens que simplesmente vivem.
Ao expor de forma tão simples e direta o processo da vida, Hernandez permite apreciar essas vidas e puxa o leitor emocionalmente para dentro da obra. A empatia é simples: somos todos filhos e filhas, podemos ser pais, mães e avós, perdemos pessoas que amamos porque a roda da vida completou mais uma volta. A eminência humana na sua fragilidade diante do eterno, da falta de eternidade no que é humano, o fundamento de saber que a morte somos nós, que a carregamos e que, como diz Neil Gaiman, a morte é o preço da vida, se coloca entre as conversas e entre os pequenos atos.
O traço característico em preto e branco, elegante, bem definido, ágil e de áreas de preto e branco, com poucas hachuras e muito mais interessado em massas de cor e de não cor, se por um lado facilmente nos induz a pensar erroneamente em personagens com apenas duas facetas, por outro lado, representa muito bem o todo do projeto ficcional de Hernandez: a síntese simplificadora que passa por um processo bastante complexo, e se apresenta aberta a observação, convidativa, sem pedido de distanciamento de leitura.
Parece um dia qualquer, mas esse dia só vai ser vivido uma vez por você. Ele é ordinário e único; vários deles são sua vida.
Julio e as demais personagens que constroem a narrativa com ele não são super-heróis, não tem poderes, não fazem nada de fantástico. Não, deixa eu me corrigir: os personagens de Gilbert Hernandez fazem o fantástico o tempo todo, na verdade: eles nos mostram como estar vivo e seguir é um ato de magia pura.