Faz algum tempo que tenho gostado de imaginar o percurso da minha vida todo ligado: imaginação, sonho, vida desperta (no sentido dos olhos, não da mente). É só andar de um lugar pro outro.
A diferença entre esses espaços seria dimensional (uma dimensão dessas das n-branas).
Eu acho.
Mas calma lá, acho melhor tratar de outro algo antes: das ideias de cidade e de urbanização da Internacional Situacionista, no caso, que tinha como figurinha mais famosa Guy Debord (do Sociedade do espetáculo – um daqueles livros que explicam muito do mundo hoje).
Esses camaradas pensaram muito sobre cidade e tiveram umas posturas ~radicais~ e muita BIRRA mesmo contra a arquitetura da época (Le Corbusier, no caso):
Enquanto os modernos acreditaram, em um primeiro momento, que a arquitetura e o urbanismo poderiam mudar a sociedade, os situacionistas estavam convictos de que a própria sociedade deveria mudar a arquitetura e o urbanismo. Enquanto os modernos chegaram a achar, como Le Corbusier, que a arquitetura poderia evitar a revolução – “Arquitetura ou revolução. Podemos evitar a revolução” –, os situacionistas, ao contrário, queriam provocar a revolução, e pretendiam usar a arquitetura e o ambiente urbano em geral para induzir à participação, para contribuir nessa revolução da vida cotidiana contra a alienação e a passividade da sociedade (Paola Berenstein Jacques).
Pra isso que vai surgir os conceitos de psicogeografia, deriva e cartografia subjetiva.
Citando novamente Paola Berenstein Jacques, “a deriva seria uma apropriação do espaço urbano pelo pedestre através da ação do andar sem rumo. A psicogeografia estudava o ambiente urbano, sobretudo os espaços públicos, através das derivas, e tentava mapear os diversos comportamentos afetivos diante dessa ação, basicamente do caminhar na cidade. Aquele ‘que pesquisa e transmite as realidades psicogeográficas’ era considerado um psicogeógrafo. E psicogeográfico seria ‘o que manifesta a ação direta do meio geográfico sobre a afetividade’.”
Massa aí, Lz, mas e o que o Sica tem a ver com isso tudo (aliás, temos um bate-papo com ele, Guilherme Caldas e Daniel Barbosa no blog)?
Bem, eu me propus a fazer uma deriva pela cidade ficcional do Fachadas. Assim eu descobri que não é uma única rua, mas que aquelas histórias atrás (além?) da fachada das casas estão pela cidade toda. E que cidade é essa? Só pode ser uma cidade que eu leitor encaixo entre cada uma das fachadas.
Sica nos mostra a frente das casas, aponta para um objeto e dessa justaposição criamos uma história. Mas entre uma fachada e outra, quem faz a rua, coloca as placas e cruza com os passantes somos nós leitores. Cada um de nós constrói um mapa dessa cidade em que as casas estão.
Então, fiz uma Ficcio Deriva pela cidade que tem um catálogo de fachadas nesse livro da Lote 42. Usei para isso uma cidade ficcional que já tinha onde passeado bastante: Dublin.
Sempre pensei na crítica como uma direção, um mapa possível de leituras sobre uma obra que se entrega a outro leitor. Abri aqui um desses mapas (clique nele pra ver maior):
Na primeira passada, identifiquei as zonas que me interessavam ou, mais honestamente, o que me chamava à memória afetiva: as manhãs com desenhos animados e um desejo que o mundo fosse um lugar que o rato é bacana e se salva; as bibliotecas como ruas; a hipnose do fogo, o ver com calma quando se exige pressa; as pessoas na rua com tudo que tem OU a espera pela porta (lembrei de “Diante da lei”, do Kafka); o velho rebelde me lembra Bowie; a sereia me lembra Ulisses e a Odisseia – e não tem no livro, é o caminho não tomado, mas ficcionalizado; o homem no nevoeiro oculta a fachada e fiquei nesse mistério por um tempo; a avalanche de cobertores e a anarquia infantil me atraem e paro ali um pouco; sigo pra mais um Kafka (misturo “Odradek” e “Blumfeld, o solteirão de meia idade”); chego aos homens iguais, com mesmo crachá e penso em desumanização.
Antes de voltar pra casa, olho pro rio ali pertinho e penso se faz sentido isso. Fico inseguro em colocar um mapa aqui, fico inseguro se isso vai ser uma forma crítica ou se é só uma vaidade. Aceito que seja tudo isso, mas acho válido mostrar quantos caminhos derivam desse Fachadas de Rafael Sica.
Eis minha segunda e terceira (quarta?) passeadas:
Eita, que processo de leitura bacana,realmente tirar uma (ou várias) experiências de uma obra… Ainda preciso ler o Fachadas, e sem dúvidas farei isso em breve!
Fora que toda a discussão sobre deriva e psicogeografia é muito legal. Lembro de um livro interessante que usei muito na época do tcc ( a edição nacional saiu tem alguns anos) o walkscapes – o caminhar como prática estética, do Francesco Careri!
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Vinil, valeu a dica do livro. e que massa que curtiu o passeio!
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