[Vem comigo] Entre umas e outras

Uma pessoa jovem, um pouco perdida com os planos da vida, com dificuldade pra pagar as contas e lutando contra o cotidiano de uma grande cidade. Não, não sou eu, nem você: neste caso aqui, é Julia Wertz.

Tem muita ficção lidando com essa base autobiográfica: grana curta, sonhos distantes, boletos vencendo, indecisões quanto ao que fazer da vida. Entre umas e outras (Nemo, 2016) é mais um exemplo desse grupo.

Julia Wertz faz isso certinho: se põe de forma patética, mas sem o martírio que poderia lavar um pouco o desacerto e lhe dar uma defesa nobre. Não se trata de um quadrinho visceral que o clichê diria ser “um soco no estômago”; ele tá mais pra um “esqueci de pagar a conta porque dormi demais depois do almoço, tô sem senha da internet e vou ter de ir no banco amanhã que é dia 5”.

O que Julia passa a maior parte das vezes é um problema criado por ela mesma, pela sua inaptidão em se acertar com o mundo. As consequências não são drásticas, nem horrorosas, mas é um bom livro sobre como crescer não é bolinho (até Sherlock Holmes é chamado para ajudar a solucionar esse caso).

Abrir mão de desejos e insistir em sonhos é o que fazemos o tempo todo, por razões que vão desde sono até “tive de viajar pra ver meu tio doente”. Achar um ponto médio entre essas opções é difícil e essas decisões mandam a fatura às vezes rapidamente, às vezes alguns anos mais tarde.

O título Entre umas e outras (Drinking at movies no original) tem mesmo a ver com encher a cara (até lembra o subtítulo brasileiro do filme Sideways). Wertz conta sobre sua compulsão alcoólica em parte do livro, trazendo um pouco mais de caos pra vida dela. O tema não é tratado só comicamente, mas é pesado excessivamente a ponto de se tornar o drama que dirige a história.

Essa sequência lembra a charge clássica de Daniel Lafayette

No meio disso tudo, Julia trabalha o desenho de personagens muito simples no primeiro plano, pausando a narrativa algumas vezes para mostrar o fundo bastante detalhado, como a valorizar seu passeio por Nova York.

Essa relação de fundo minucioso e figura simplificada não está no livro todo, o que conduz tempos diferentes de leitura. Mais detalhes param o olho do leitor, reduzindo o fluxo narrativo; menos detalhes, maior agilidade ao passear pela página.

Disso resulta que vemos uma cidade bastante bem resolvida e sólida, enquanto os personagens tem um traço solto e parecem menos seguros, construindo um metáfora ilustrada da história que Julia Wertz conta.

O final do livro traz alguns esboços de prédios, lojas e lugares captados pela mão da artista enquanto zanzava pela cidade.

A Nemo deixou umas páginas de amostra do livro aqui e na página oficial da Julia tem esboços, quadrinhos e desenhos.

Publicado por lielson

Francisco Beltrão (1980) - Curitiba (2000) - São Paulo (2011) - Salvador (2017) - São Gonçalo (2018) - Santa Maria (2019).

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