Tem alguns “spoilers” (nem tanto, vai) nesta resenha.
Pra falar do Tabloide (que foi editado pelo Lielson Zeni, membro do Balbúrdia também), do Leandro Melite, preciso falar rapidão de pelo menos dois trabalhos anteriores dele: Desistência do azul e Dupin.
Desistência…, publicado em 2012 pela Zarabatana, primeiro trabalho longo do autor (256 páginas), é bastante experimental. Foi escrito conforme foi desenhado, método que, para o autor, creio eu, tenha sido uma experiência constante de infinitas possibilidades. Pro leitor, as possibilidades infinitas são as das interpretações em uma viagem incomum nas páginas dessa HQ. Na minha opinião, um dos melhores gibis (e um dos mais menosprezados) dos últimos 7 anos.

Em 2015, novamente pela Zarabatana, o Melite opta por uma estrutura narrativa diferente em Dupin, e faz a livre adaptação de Os crimes da rua Morgue, do Edgar Allan Poe. O ótimo álbum em preto e branco manteve a identidade estética do autor, mesmo com um traço um pouco mais “comportado”, em uma trama policial/de mistério vivida por duas crianças que permitiu ao autor comentar aspectos de uma visão infantil que se alimentava de fantasias (coleções de brinquedos, quadrinhos) diante de uma situação fantástica. Melite mistura arquétipos de super-heróis, detetives + toques particulares sobre a infância + a adaptação do conto de Poe. Uma das melhores publicações de 2015.

Parece que o Melite gostou de trabalhar nesse mundo de mistérios e investigações, porque em Tabloide, publicado este ano pela Editora Veneta, o autor volta ao gênero, agora com uma história própria, passada em São Paulo.
Eu confesso que não sou fã de tramas. Abomino filmes “supercine” tipo El Cuerpo (2012), porém, como no caso de Dupin, a trama de Tabloide é bem desenvolvida, curiosa, e explora o submundo da grande São Paulo, com seus canais secretos e perversões da elite, mas mesmo que fosse o contrário, ela serve mais como pano de fundo para embalar os excelentes personagens que o autor constrói do que como ponto central da HQ. Especificamente, a personagem Samantha Castello, dona de um jornal de conteúdo quase que exclusivamente sobrenatural/bizarro.
Samantha é cínica, cara de pau, ama o que faz, faz bem, e vai até o fim pra descobrir o que investiga. O humor dela, aliás, seco, é um dos pontos que mais contribuem pra simpatia com a personagem. Os pseudônimos que ela usa para cada pessoa que entrevista é uma referência à cultura pop, de Kate Mahoney (lembra? Eu adorava) a Júlia Kendall. Samantha não é sutil, não tá nem aí pras regras, não foge de briga, bate forte, mente constantemente (conhecimento é poder. Jamais identifique-se. Ela está certa) e possui alguns segredos em seu passado que são revelados na HQ em momento e de forma inesperadas.
Pra quem leu Dupin, é massa reparar que Tabloide se passa no mesmo universo, e os jovens do título anterior são mencionados no meio da história, além de revermos o personagem do policial Gallo. Além disse, vai notar a capacidade do autor de criar personagens muito bem construídos, interessantes e de destaque, e aqui aproveito para reforçar o mérito do autor em criar uma personagem principal que foge de alguns esteriótipos.
Esteticamente, Melite mantém sua identidade visual, porém, como acontece de Desistência… para Dupin, ele volta a variar as nuances de seu traço. Além disso, desta vez, a história é colorida, o que ficou bonitão, com cores chapadas em tom pastel.
Se você ainda não leu Tabloide, recomendo que passe pela experiência após ler as duas obras anteriores pra ter uma noção mais ampla da visão do Melite. Há quem diga que uma obra deva ser completa por si, mas eu discordo. Há fatores externos e temporais de contexto que moldam a visão que o expectador tem de uma obra, e Tabloide é uma delas. De preferência, confiar também o trabalho do Melite na história “Leviatã”, na Café Espacial #13. É a minha história favorita do cara.
Livro gentilmente enviado pela editora.