[Parlatório] Kate Evans

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Kate Evans é cartunista britânica, autora de zines e livros que expressam e acompanham o seu ativismo político bem à esquerda. Aliás, ela se define sempre como cartunista, artista, ativista, autora e mãe, tendo escrito sobre maternidade (Bump the book: how to make, grow and birth a baby, 2014), aleitamento materno (The Food of Love, 2008), seu último livro tratou da mais recente crise de imigração (Threads from refugee crisis, 2017), e ativismo canhoto – do jeito que a gente gosta.

UPDATE: O Primo It nos avisa, em primeira mão, que o Threads from refugee crisis deve sair pela DarkSide Books® em 2018.

 

 

Kate foi convidada pela Fundação Rosa Luxemburgo (1871-1919) para uma semana de eventos sobre a teórica marxista, cuja vida foi retratada pela britânica na graphic novel Rosa Vermelha, lançada esse ano pela WMF Martins Fontes. Rosa Luxemburgo, polonesa judia nascida ainda sob o Império Russo, veio de um meio simples mas forçou sua entrada no meio dos grandes com uma vontade irrefreável por conhecimento e justiça. Tornou-se uma das maiores filósofas marxistas, economista de formação.

O livro de Kate detalha muito bem a vida de Rosa, dedicando-se bastante a nos apresentar tanto essa vida de uma verdadeira feminista revolucionária, quanto a história que ela ajudou a transformar. É a história de uma mulher muito inteligente e sin perder a libido, jamais, que não teve medo de lutar até morrer por seus ideais.

A narrativa é embasada por uma vasta pesquisa, nos apresenta um desejo claro de nos trazer a História, e uma história de mulher – para nos dar vontade de mudar um cadinho de mundo também.

A entrevista que segue aconteceu por email por intermédio WMF Martins Fontes, foi preparada por Lielson Zeni, Maria Clara Carneiro e Paulo Cecconi (que também cuidou da tradução).

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É bem interessante como você combina a imageria feminina (bonecas de papéis, bordados, borboletas) com a estética do panfleto. Parece um jeito de desenhar que apresenta um pouco a realidade de Rosa Luxemburgo, uma visão de mulher sobre o comunismo. Como foi a pesquisa para alcançar essa forma? Quais seriam suas referências pictóricas, quais artistas que te inspiram?

Obviamente, a minha arte é influenciada pelo fato de eu ser uma mulher, e a minha representação de Luxemburgo está enraizada em sua feminilidade. Gosto de pensar que, se eu tivesse nascido duzentos anos antes,  a minha arte seria bordar roupas para mulheres ricas, à luz de velas. No caso de Rosa Vermelha, também uso os bordados de mulheres da revolução de 1905 como um tributo visual ao papel central de certas mulheres em rebeliões populares.

Eu uso todas as metáforas visuais e imagens possíveis para enriquecer o texto. Porém, nem todas são especificamente “femininas”.

Página de Rosa vermelha (WMF Martins Fontes, 2017)

Eu tenho várias influências. Nunca me interessei especificamente por quadrinhos porque todos eles eram de super-heróis masculinos, com mulheres eram anatomicamente improváveis e decorativas. Eu gostava de cartuns políticos, como os do Steve Bell, e os cartuns feministas da Cath Jackson e Jackie Fleming. Eu li “For the Beginers”, uma série em quadrinhos sobre assuntos sérios, tipo Marx, Freud, etc., o que me ajudou a pensar de forma criativa sobre como transmitir informações abstratas de modo visual. Recentemente, em especial no meu último livro Threads [Verso Books, 2017], sobre a crise dos refugiados, que usa colagem em algumas páginas, fui influenciada pelo livro maravilhos da Linda Barry, One! Hundred! Demons!

Cartum de Steve Bell

Cartum de Jackie Fleming

A gente teve a sensação de que tem uma mudança em seu desenho ao longo do livro, com páginas ficando mais experimentais enquanto se desenvolve a história. Você poderia falar um pouco disso?

Eu estruturo os meus livros cuidadosamente, com um arco geral de narrativa. A narrativa começa relativamente convencional e contida, e a arte reflete isso. Então, com as cartas da prisão e a intensidade dos eventos da Primeira Guerra Mundial, eu abandono os painéis pequenos e encho as páginas de modo que ecoe o modo como as palavras de Luxemburgo rompem as barreiras.

Além disso, eu melhorei o meu desenho conforme o livro avançava, especialmente os prédios (que eu odeio fazer). Por isso, não comecei os desenhos na primeira página. Eu sabia que a primeira imagem da Comuna de Paris teria que ser muito forte, e também sabia que teria que mostrar prédios e pessoas e multidões (outra coisa que eu não gosto de desenhar). Então, deixei para depois. Na verdade, a primeira página foi a última que eu fiz.

Você tem alguns livros sobre maternidade, e seu narrador parece surpreso sobre como Rosa controlou sua fertilidade. Estamos curiosos sobre esse assunto. Seria verdade que controlar nossa reprodução é controlar nosso futuro?

Página de Rosa vermelha

Eu não podia representar Luxemburgo tendo relações heterossexuais se eu não falasse das contracepções. Eu digo que nunca saberemos como ela evitou a gravidez, mas creio que é inegável que ela tenha evitado ter filhos conscientemente, porque para uma mulher em sua situação social ter um filho fora do casamento seria catastrófico. Eu odeio quando dramas históricos mostram as pessoas fazendo sexo heterossexual sem considerar as consequências que isso traria para uma mulher. Isso faz parte da deturpação patriarcal de relações sexuais saudáveis.

Ah, sabia que Luise Kautsky, a esposa de Karl Kautsky manteve uma relação com seu marido e, ao mesmo tempo, no apartamento de cima, teve um caso com o irmão dele? Sério, esses socialistas revolucionários do século 19 sabiam fazer as coisas.

No aniversário da Revolução Russa, vemos a direita e extrema direita crescer pelo mundo inteiro. Que futuro você enxerga para a esquerda?

Talvez a minha visão esteja comprometida pela empolgação na possibilidade de Jeremy Corbyn [o candidato mais à esquerda ever do Partido Trabalhista britânico] vencer as próximas eleições britânicas, mas tenho esperanças de um futuro para a esquerda. Com as crises sociais do clima e também  da automação pressionando o proletariado e os pobres trabalhadores rurais, vemos uma polarização de visões políticas. Precisamos abandonar a postura central, porque o neoliberalismo está deficiente. Precisamos repensar completamente o que o socialismo pode oferecer as pessoas.  Podemos tornar isso mais atraente do que o fascismo. E acho que vamos conseguir. O grito de união da Dra. Luxemburgo “Socialismo ou Barbárie” nunca foi tão apropriado.

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Abaixo, vídeo com Kate Evans falando sobre seu trabalho mais recente (e inédito no Brasil), Threads:

 

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A Fundação Rosa Luxemburgo e o MST trouxeram também, para o português, uma radionovela em capítulos sobre a vida dessa personagem histórica.

Publicado por mckamiquase

Maria Clara Ramos Carneiro on ResearchGate https://orcid.org/0000-0003-2332-1109

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