[Teteia Pura] Paulo Não Traduzir Bizarro

bizarro_capa-654x1024

Já pensou traduzir um personagem que fala ao contrário? E não tipo o Yoda, que apenas com a ordem do texto zoa, mas um cara que raciocina e faz declarações com sentido invertido.Pois é, o gibi do Bizarro escrito pelo Heath Corson e desenhado pelo Gustavo Duarte não ser inteirinho assim.

Bizarro foi publicado pela Panini num volume especial muito maneiro, capa cartonada, preço acessível, mas saiu lá fora como uma minissérie em seis partes. É assim que os materiais chegam pros tradutores, exatamente como são publicados no exterior. Geralmente, dá pra traduzir na ordem, página por página, mas existem casos onde ler a obra completa antes é imprescindível. Não foi exatamente o caso do Bizarro, mas OPTEI POR ESSA OPÇÃO. Li tudo de uma vez antes de traduzir pra me familiarizar com o jeito que o Bizarro se expressa. Eu queria concluir as seis edições sem parar aquele meio segundo pra entender exatamente o que o personagem queria dizer em dada situação.

Ok, gibi lido. Hora de traduzir. Fiz duas traduções, uma de primeira, um pouco mais instintiva, deixando fluir os opostos que o Bizarro proclama, e a segunda pra ver se aquilo fazia sentido. Ou se fazia sentido ao contrário. Apesar de que, se eu pensar no assunto, fazer sentido ao contrário é não fazer sentido. Então, acho que tentei fazer com que o gibi não fizesse sentido. Se fiz isso, talvez eu tenha falhado, porque um gibi precisa fazer sentido, mesmo que as coisas que o personagem principal diga não façam sentido. Ou façam sentido ao contrário. Tá meio difícil sair dessa…

0ea5caa85eb3c4185ad7f89497587671--bizarro-comic-comic-covers

Retomando: Bizarro teve que ser feito com um cuidado extra. Depois de um bom tempo em cima das páginas originais e do que eu tinha traduzido, comecei a perceber que o próprio Bizarro não seguia suas regras exatamente à risca. Na verdade, sob o microscópio, as regras de  dialética do Bizarro eram um tanto particulares. Por exemplo, tem um trecho que rola o seguinte diálogo (peguei da minha própria tradução):

Bizarro – ELA SER PEGADORA DE RECOMPENSAS LENDÁRIA.

Jimmy corrige Bizarro

Jimmy – CAÇADORA DE RECOMPENSAS.

Bizarro – O QUE MIM DIZER?

Nessa situação, o Bizarro não queria literalmente saber o que ele disse, mas afirmar que não estava errado, que não há diferença entre o que ele e Jimmy disseram. É como se ele dissesse E O QUE FOI QUE EU DISSE? Nesse caso, o oposto do Bizarro não foi uma negativa. Ele transformou a afirmação em uma pergunta. Pela lógica dos opostos, talvez o Bizarro devesse ter dito NÃO FOI O QUE MIM DIZER. E, só pra deixar claro, que não estou questionando o roteirista, só quero dividir com vocês algumas dúvidas que me pegaram depois de me inserir nesse raciocínio torto do protagonista. É só uma curiosidade mesmo. Mas foi algo que tive que ter cuidado, porque uma interpretação errada de um sentido oposto poderia modificar o significado da conversa.

c7072396555afc3fdadad360d627ec67
Página com participação do genial Kelley Jones

Outra coisa curiosa foi ver certos termos com a aplicação de prefixos pra indicar o sentido oposto. Por exemplo, Unconfused (desconfusado, numa tradução literal), que optei por ESCLARECIDO.

Brincar com o vocabulário mágico da Zatana (que faz uma participação especial) que funciona literalmente ao contrário também foi muito divertido. É bem mais simples do que lidar com o Bizarro, pois não é o sentido que muda, ela apenas diz as palavras ao contrário quando emana um feitiço, e foi maneiro escrever tudo invertido em português. O engraçado da presença da Zatana é que ela ensina o Bizarro sua técnica. Só que o sentido do que ele diz, nesse caso, precisa ser o correto para que o feitiço funcione. Por exemplo FECHAR PORTAL é RAHCEF LATROP, e não ABRIR PORTAL, que seria a lógica do Bizarro. Então, cria-se no gibi uma situação em que ele finalmente acerta o sentido das sentenças, deve emitir as palavras ao contrário. Que loucura, né?

zatanna1
Stop BIzarro, ou melhor Erap, Orrazib!

Como qualquer gibi, se eu ler a minha tradução hoje (o gibi foi publicado em 2016), aposto que ia me arrepender de algumas escolhas e faria algo completamente diferente. Ironicamente, isso é uma parte legal de qualquer ofício: você melhora com o tempo e com a ajuda. Bizarro deve ter um número decente de exemplos disso, porque tem uma linguagem muito peculiar, além de ser, repito, um gibi divertidíssimo, com uma arte bacanuda, com os easter eggs famosos dos gibis que o Gustavo Duarte desenha e com participações de vários artistas excelentes, cada um com uma página especial de determinada edição.

3 comentários em “[Teteia Pura] Paulo Não Traduzir Bizarro

E o que você acha?