Acho que o nome desse livro se pronuncia “érguens var ie niet vil ziin”. É do holandês e, segundo o Google, quer dizer “Em algum lugar onde você não quer estar”. O livro, do belga Brecht Evens, tem uma efusividade colorida e fluida, que se dissolve, como a aquarela, em uma narrativa existencialista (da náusea de Sartre, da nóia de Antonioni).
Comprei esse livro há alguns anos, em francês, e só depois, quando vi a edição inglesa, que fiquei intrigada com o título original. Em francês é Les Noceurs, os foliões, e remete diretamente à frivolidade dos convivas em uma festa. Em inglês, The Wrong Place, já chegaria mais perto desse lugar onde você foi errar sem vontade.

É basicamente essa a história: pessoas que não estão ali, mas sem força de sair. O desconforto social. O livro começa na casa de Gert. Robbie, o galã da noite naquela cidade – europeia, dos apartamentos mais baratos no último andar, sem elevador –, está em outra festa. O tédio se instaura, todos esperam, esperam Robbie.
Levei o livro para meus alunos de duas turmas de francês iniciantes, um trecho inicial do livro + ficha e apresentação da edição francesa (coisa de mostrar coisinha cultural). E achei tão engraçado quando me disseram que “mas não é quadrinho”. “Mas não tem quadro!” “Mas não tem “balão!”

Evens, nascido em 1986, já cresceu em um ambiente cultural e artístico franco-belga que há muito tempo pesquisava novas formas de implodir a mídia. Só lembrar da Dominique Goblet, com quem já conversamos (ao vivo também). Ou o trabalho de seu contemporâneo, conterrâneo, amigo e xará, o Brecht Vandenbrouke (esse bem mais interessado em um trabalho metalinguístico, mas esse é outro [vem comigo].
Segue um dos trechos iniciais em sequência, e é justamente essa negociação entre a repetição que marca a ideia de cena, sequência, narrativa versus o aproveitamento plástico de uma página inteira.
“Não tem balões!” Os diálogos são marcados por cores. Ali elas são sobretudo uma marca de enunciação, distinção entre os sujeitos que falam. Mas também tem uma leve sugestão de cor simbólica quando marca a distância entre os dois amigos Gert e Robbie, o primeiro apático e cinza, o segundo o rei da madrugada, em um profundo azul noturno.
Mas as cores dos personagens, na delicadeza da aquarela, mesmo se bem identificáveis, vão se perdendo vez ou outra, se esvaem e voltam, na confusão das poucas luzes, na confusão das tintas, na mistura dos corpos (aliás, que cenas lindas de sexo). As coisas, à noite, ficam meio difusas. Mal começam, nem terminam: como a narrativa, aqui, também: o livro começa e termina em diálogos truncados, sem começo ou fim.
O título flamengo do livro me evocou uma frase antiga, em latim: In girum imus nocte ecce et consumimur igni. Talvez de Virgílio, esse palíndromo significa: “rodamos pela noite e fomos devorados”, uma referência à mariposas girando em torno da luz do fogo. Esse fascínio pela grande luz de Robbie, que desaparece à luz do dia… Mas como não querer tentar acompanhar a noite interminável de Robbie: ele é um gênio da lâmpada que te guia pelos caminhos das melhores festas e te pergunta: mas do que você tem vontade?
– Um desejo?
– É… um desejo ou outra coisa… Para dar mais consistência ao teu papel. Senão você vai continuar um figurante.
– Como ele, por exemplo. Ei, você!
– Atenção, hein! Assim que você sair da imagem, não vai mais existir!
– E então, viu?
– OK, vou ficar perto de você.