NonNonBa (Devir, 2017, tradução de Arnaldo Oka) é um quadrinho escrito e desenhado por Shigeru Mizuki, baseado em suas memórias infantis com boas doses de ficção. A obra está estruturada como pequenos contos em que o garoto Shigee ouve histórias sobrenaturais de NonNonBa, que é tipo uma vó dele, mas não é bem isso.
Shigeru Mizuki é daqueles nomes gigantes do mangá e, infelizmente, pouco publicado no Brasil. NonNonBa é seu primeiro livro por aqui, seguido um ano depois do também altamente recomendado pelo Balbúrdia Marcha Para Morte! (Devir, 2018). Mizuki é contemporâneo de Osamu Tezuka é tão importante quanto ele no desenvolvimento do quadrinho japonês.
NonNonBa tem um lance meio animação Studio Ghibli na parte do fantástico e do comportamento dos personagens infantis, mas mais macabro e doído. Mizuki não nos poupa de morte de crianças, fome, desemprego, abandono de idosos e até tráfico humano.
A maior parte da história se passa com NonNonBa e Shigee às voltas com youkais. Duas explicações aqui: NonNonBa é um palavra da região onde se passa a história usada para designar mulheres mais velhas, muito dedicadas a religião (mas na prática da narrativa, ela funciona como uma vovozinha maneira); youkais são uma espécie de espíritos que rondam a vida das pessoas e agem no cotidiano.
Mas além dos youkais, está lá a tal da “vida real”: o pai que perde emprego, as pessoas sem dinheiro pra comida, o bullying das crianças com Shigee. E há um terceiro elemento, as aspirações. Shigee quer ser quadrinista, seu pai quer ter um cinema, o irmão de Shigee deseja o amor e as demais pulsões que movem esses personagens.
Diante de uma obra que se propõe quase infantil e simples, vem a rasteira de Mizuki que nos revela o mecanismo elaborado da simplicidade, que mesmo que existam youkais, devemos lidar com nossa vida e com a vida daqueles ao nosso redor e que isso está mesmo além do sobrenatural. O fantástico é seguir a viver.