[Vem Comigo] Ranxerox

 

 

Ranxerox, o androide, foi construído a partir dos pedaços de uma fotocopiadora, é viciado em cola branca e apaixonado por Lubna, sua amante de 12 anos (e de certa forma, dona), que por sua vez, é viciada em heroína. Um personagem como esse é tão errado e, ao mesmo tempo, extremamente adequado ao ambiente da Itália dos final dos 1970 e começo do 1980.

Além do punk rock e do quadrinho underground (atitudes não mais circunscritas a Nova York ou Londres) e o histórico do anarquismo italiano (que chegou a fundar uma colônia anarquista no Paraná) a Itália vivia um momento de lutas sociais, em que, por exemplo, estudantes resistiam ao ataque de precarização do governo a escolas e universidades. Tudo isso está contado e bem explicado no texto introdutório de Rogério de Campos (que é também o tradutor) para a edição de Ranxerox (Conrad, 2010).

O personagem Rank Xerox foi criado por Stefano Tamburini em 1977, quando viu jovens atacarem e destruírem uma máquina xerox, e foi inicialmente publicada nas revistas independentes italianas Cannibale e Frigidaire. Tanino Liberatore, o desenhista conhecido pelo trabalho com o personagem, não foi seu único artista (nas primeiras edições o próprio Tamborini desenhava, além de convidados). Após a carta algo ameaçadora da grande empresa de fotocópias para que parassem de usar sua marca naquele personagem imoral e em suas histórias entupida de drogas, violência sem sentido e sexo de menores com androides, o nome desse frankenstein niilista virou Ranxerox e os ânimos corporativos se acalmaram.

Ranxerox anda a esmo, seja por Nova York, seja por Roma, seja preto e branco, seja em cores, para agradar Lubna e conseguir a única droga que lhe dá barato, cola branca. Ela, por sua vez, demonstra pouca maturidade do auge da sua pré-adolescência pra essa relação panssexual, o que faz com que eu encare essa obra como uma história de amor adolescente derretida por ácido de bateria.

O desenho realista de Liberatore impressiona pelo detalhismo e de como toda sua técnica não congela a arte, mas entrega pra gente, sim, uma história em quadrinhos. Já o roteiro de Tamburini eu não chamaria de anárquico, mas de báquico. O rumo da história é sempre algo muito pequeno e objetivo (como conseguir um presente de aniversário surpreendente pra Lubna), com a trama tropeçando em agressão, assassinato e sexo, tudo sem muito sentido em um primeiro momento, mas, que no fim, se trata de se celebrar ao máximo o momento que a vida entrega a esses personagens, ao mesmo tempo que parecem entediados e sem rumo.

Por isso tão intenso, por isso tão inconsequente. Tanto que não importa viver outro dia, se for pra ser chaaaaato que nem esse. Esse sentimento da obra, era algo que estava também na vida de alguns autores da cena italiana: Tamburini, como outro grande nome do quadrinho italiano do período, Andrea Pazienza, morreu de overdose de heroína (por isso, o roteiro da última história foi terminado por Alain Chabat). O desmedido como única balança da via norteia as histórias de Ranxerox que, se em sua primeira pele parecem destruição adolescente sem motivo, mais a fundo falam de destruição como único motivo, da morte próxima como única chance de se perceber vivo.

Publicado por lielson

Francisco Beltrão (1980) - Curitiba (2000) - São Paulo (2011) - Salvador (2017) - São Gonçalo (2018) - Santa Maria (2019).

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