A batida não pode parar. Chega ao Brasil a segunda parte da obra que se dedica a investigar o começo da cena do hip hop nos Estados Unidos, Hip Hop Genealogia # 2, de Ed Piskor (Veneta, 2019, tradução de Amauri Gonzo).
Tem livros que mudam sua vida, que te impactam e te transformam, te colocam em outro lugar da paisagem mental; cada pessoa tem a sua listinha desse tipo de material.
O Hip Hop Genealogia # 2 não mudou minha vida, mas sempre que chego nele, ele entra em outra listinha bem vinda, aqueles livros que mudam meus hábitos, meu fazer. Eu passo dias e dias ouvindo hip hop e rap, quase sem querer, sons que escuto muito menos que sei lá, post rock, noise e shoegaze.
O tempo em que acompanho a leitura, que gosto de fazer aos poucos, como dá na telha, me pego no ritmo de um beat de memória flutua, de uma música que ainda me ressoa na orelha.

A arte de Ed Piskor é clara homenagem aos quadrinhos Marvel de 1960-70, sobretudo, os desenhados por Jack Kirby. Tem uma dinâmica exagerada, poses forçadas, onomatopeias em destaque, as cores chapadas, a retícula evidente. Esses desenhos encarnam não uma trama com reviravolta e clímax e coisa e tal (como seria na Marvel), mas fatos de alguma forma importantes para o desenvolvimento do hip hop dos Estados Unidos, que não forma necessariamente um enredo.
O livro de Piskor está mais para documentário dessa cena, em que a única grande história contada ali, no final das contas, é a de um quadrinista apaixonado por hip hop. Os detalhes de informação a que o artista se dedica, como que alguém trabalhava numa loja de discos e lá conheceu outra pessoa e juntos fundaram um selo musical que mudou tudo, traz a história desse movimento para perto do leitor. Porém, mesmo que o registro seja mais do factual que do ficcional, a estratégia de Piskor é da ficção: um personagem que é apresentado aos poucos, entra em uma página, depois reaparece mais pra frente até você descobrir que se trata de um figurão. Ou que aquele moleque, Andre, vai em breve passar a ser conhecido como Dr. Dre.
Engraçado notar a relação muito próxima da cena do punk/hardcore e do hip hop, com músicos interessadas em ambas e trocas de influências musicais, ideias e atitudes. É como se a resistência da batida rápida do punk achasse uma nova forma no beat sincopado do hip hop.
Na leitura de Hip Hop Genealogia # 2 me peguei pensando como gostaria de ver um quadrinho que contasse a história do começo da cena hip hop brasileira ou do punk ou do metal, sei lá. Acho que esse tipo de material de recolhimento de fatos com depoimentos e histórias desses movimentos sempre viram materiais que me interessam.
Confesso que muitas vezes acho que a melhor resenha pra esse livro seria só jogar aqui o link do Spotfy com as músicas citadas na edição. Aliás tem no Youtube também (mas incompleta, pois vídeos excluídos):
Agradecimentos à Veneta pelo envio do livro.