Adão Iturrusgarai, muito conhecido por seus personagens (como Rocky & Hudson e Aline), coleta neste Momentos Brilhantes da Minha Vida Ridícula (Zarabatana, 2012), uma série de tiras e histórias autobiográficas, mas sempre com o jeito e estilo do Adão.
O autobiográfico é um dos gêneros mais usado pelos autores independentes brasileiros, mas não só. Na França, por exemplo, há toda uma discussão sobre esse tipo de material, com boa reflexão acadêmica especificamente sobre ele.
São histórias muitas vezes voltadas para entender algum ponto difícil da própria vida, carregado de tragédia, sofrimento e reflexão. Quanto a resultado, temos desde os soberbos livros de Alison Bechdel Fun Home: Uma Tragicomédia em Família (Todavia, 2018, tradução de André Conti) e Você É Minha Mãe?: Um Drama em Quadrinhos (Quadrinhos na Cia, 2013, tradução de Érico Assis) ou de David B. com Epilético (Conrad, 2007-2008, Tradução de Idalina Lopes), até obras que… bem, são bem menos interessantes do que essas daí.
Adão Iturrusgarai, nome consolidado com as tiras de personagem, se coloca também dentro dos requadros das histórias. Porém, a forma autobiográfica do Adão não é do peso e do sofrimento, mas sim do humor. Sem medo de se ridicularizar ou se colocar em situações vexatórias, o artista vai fundo na vergonha e no patético.
Adão, que era o mais jovem entre “Los 3 Amigos” Laerte, Angeli e Glauco, conseguiu uma carreira nos quadrinhos que pode até envergonhar o trio (afinal, é isso que o Adão diz que faz muito bem), mas é sem dúvida de grande qualidade.
Se pensar nas piadas de quinta série do Adão, você pode tomar um susto ao descobrir o trabalho de artista visual dele (Clica aqui e dá uma olhada). A sacanagem e a subversão que são o norte do trabalho do artista continua a aparecer nas pinturas, tipo nas séries de homenagem, como Mickey e o Tintin.

E se você ler a newsletter dele, vai descobrir que o camarada ainda escreve muito bem, tipo, quando ele conheceu o Mattotti e o Mazzucchelli no Rio. (recomendo mesmo que assine).
Se você passear por toda esses diversos trabalhos do Adão, vai perceber que há um ingrediente fundamental que é a subversão e a trollagem. Mesmo quando homenageia personagens como Tintin e Mickey, também tira um sarro. Todas as fórmulas da produção dele incluem o humor e, portanto, quando fosse falar de si mesmo, essa chave não mudaria, porque através da sacanagem que ele vê e representa o mundo. O que, ao contrário do que muita gente séria (e chata) pensa, não tira força estética da obra. Humor não diminui um quadrinho, uma pintura ou um texto, só acrescenta outra camada destinada à parte específica da inteligência do seu receptor.
(aliás, fica a dica de artigo acadêmico: aplicar os conceitos do grotesco e do riso do Bakhtin – do livro sobre Rabelais – no trabalho do Adão)
Portanto, seu livro de memórias chama sua vida de ridícula, com alguns momentos brilhantes – e o brilhante pro Adão é dizer que uma alcaparra do jantar foi parar no meio da sua bunda. Muitas vezes, ele desenha membros enormes (esses que você pensou também), corpos que não cabem no próprio corpo. Seu embate é no mundo material, no corpo, a vida tá por aqui, no rés do chão e ela é engraçada. Pega esse livro do Adão pra ver se não é.