[Vem Comigo] O Vazio Que nos Completa

Uma história densa de Douglas, personagem com transtorno psicológico, é o norte de O Vazio que nos Completa, de Sergio Chaves e Allan Ledo (Jupati, 2018).

Talvez mais conhecido como um dos editores, junto de Lídia Basoli, da longeva publicação independente Café Espacial (que existe desde 2007), Sergio Chaves também é roteirista de história em quadrinhos. A própria Café Espacial já trouxe histórias suas, participou de outras coletâneas, e O Vazio que nos Completa é sua primeira investida em obra longa.

O desenhista é Allan Ledo, que também já publicou em diversas coletâneas e revistas independentes, além da edição Café Espacial Apresenta: Entressafra, em que desenha o roteiro de história longa de Eder S. Rodrigues (que é um livro de que gosto demais também).

A dupla já trabalhou junta em histórias curtas e, quando partem pro seu projeto com mais páginas, os autores mostram que roteiro e arte se entendem. A história é densa e acho difícil dar muitos detalhes do enredo sem avacalhar a primeira impressão de leitura de quem ainda não leu o livro, por isso, tento seguir por outro lado.

O ambiente sufocante da história se constrói, claro, pelas imagens de Allan Ledo (afinal, os quadrinhos são esse transformador de tudo que cai naquela página em imagem), que consegue com seu preto e branco e hachuras, dar respiro e sufocar o leitor conforme a necessidade do ritmo proposto para a história. Por outro lado, o estilo realista e o sufoco podem tirar um pouco da força de algumas imagens mais fantásticas que, acredito, ganhariam em potência se fossem mais livres e com menos elementos.

(sigo daqui em diante com informações que apontam para detalhes da trama, sem elucidá-la, mas fica o aviso)

Douglas, o protagonista, vive muito isolado e convive com poucas pessoas, ao mesmo tempo que sofre de um transtorno psiquiátrico que torna difícil para ele distinguir o que é real e o que é imaginado.

Sergio Chaves constrói a trama de reviravoltas que joga o leitor pra lá e pra cá, sem deixar ninguém perdido ou sem entender do que se trata. Os diálogos são bons e não apelam ao funcional (quando estão ali só para passar uma informação ou fazer a trama andar), mas se embrenham de forma muito orgânica pela trama. De novo, a abundância de bons textos tem um custo: de afogar certas imagens que poderiam ter um pouco mais de espaço e, desse modo, aumentam o peso da história.

O que aponto, longe de ser falhas da narrativa, são desdobramentos das escolhas estéticas dos autores que, ao meu ver, colocaram tudo bem onde queriam. A questão aqui é a representação e o real (quem leu me entende) e o que é que liga (ou separa) esses dois aspectos (se é que são dois mesmo). Portanto, a questão da mímese, da representação, e da impressão de real são muito importantes, o que pode explicar a contento a fragilização das imagens mais oníricas e belas (e as minhas favoritas) do livro.

Porém, todo o embate de Douglas é por encontrar o seu ponto de realidade, entre o que lhe parece ser e o que acontece. Nesse ponto da argumentação me parece natural nos perguntar o que é realmente o real, já que sempre estamos presos a nosso ponto de vista e a nossa percepção. Quando me pergunto isso, entendo um pouco melhor Douglas e começo a responder onde posso encontrar a realidade: no compartilhamento das experiências e de pontos de vista.

Agradecimento aos autores pela oferta do livro. E esta Balbúrdia lembra que Lielson Zeni é colaborador frequente da Café Espacial.

Publicado por lielson

Francisco Beltrão (1980) - Curitiba (2000) - São Paulo (2011) - Salvador (2017) - São Gonçalo (2018) - Santa Maria (2019).

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