[Vá com o Carmo] Sobre as várias Formas de resistência nos quadrinhos de Pablito Aguiar

Pablito Aguiar e seus entrevistados no traço do próprio

Pablito Aguiar faz jornalismo em quadrinhos desde 2016 e já em seus primeiros trabalhos pode-se notar a resistência como uma palavra-chave, um fio condutor que conecta suas histórias, tanto em seu sentido mais convencional: no ato ou efeito de resistir, como nas propriedades reagentes presentes na palavra, no sentindo de opor-se, ou lutar.

Sua produção de quadrinhos tem grande influência da linha clara mas sem se limitar às soluções pré-fabricadas de um “estilo” ou “modo de produção” presente nos quadrinhos de herança franco-belgas, muito pelo contrário.

Nos últimos 6 anos é possível perceber um amadurecimento em sua produção artística que, ao se afastar de um traço mais gestual de grafite no papel, modo em que até se permitia brincar com as qualidades das linhas e das manchas. Como em ROSANA (Independente, 2016), acaba por ganhar aspectos muito mais particulares e marcantes ao explorar a simplificação formal, como já se pode perceber no livro ALVORADA (Independente, 2017) e melhor desenvolvido nas demais entrevistas publicadas regularmente na revista Parêntese ou em seu perfil do Instagram.

Páginas de “Rosada”
Imagem promocional do livro “Alvorada”

Uma das principais qualidade de Pablito como autor é a de, em um espaço muito reduzido de possibilidades formais, dar conta de caracterizar com maestria e leveza seus entrevistados sem se deixar cair em estereótipos, apresentando a nós um amplo leque de possibilidades de representação étnica, física, etária e de gênero que não se costuma ver desenvolvida de forma tão exemplar em outros artistas que flertam com a linha clara.

Uma das grandes características da linha clara é o uso de linhas de contornos fortes que mantém a espessura na representação tanto de personagens, quanto de objetos e cenários. Esse equilíbrio e clareza formal, mais do que um “estilo”, em Pablito, ganha também contornos éticos e, por consequência, políticos.

Entendemos por “ética”, o conjunto de princípios que o artista/cidadão adota para a sua conduta artística/pessoal no meio da sociedade em que vive. Nesse sentido, a escolha em retratar sem disparidades e com a mesma dignidade de contornos, sujeitos étnica, econômica e socialmente tão diversos, com o mesmo cuidado e atenção com que Pablito os retrata, representa aqui um lindo encontro entre ética, estética e política.

Partindo dos princípios estéticos que regem o seu trabalho poético, é evidente a sintonia formal e homológica com seus princípios éticos, presente na sua escolha consciente de dar voz e dignidade à figuras marginalizadas pelo estado, seja por sua condição social, cor ou credo, o que resulta em uma produção que evidentemente marcada uma posição política muito clara ao defender princípios e valores sociais inalienáveis, marcas já presentes em seus primeiros trabalhos, como o FORCA (Independente, 2016), ou nas CHARGES publicadas no jornal local de Alvorada, onde ele toma contato e se sensibiliza com os problemas sociais de sua cidade.

Páginas da HQ “Forca”
Charge publicada no jornal local de Alvorada

Esse contato mais próximo com os problemas que afligem a cidade e seus habitantes o levou a refletir e, por consequência, a se aproximar mais do elemento humano, específico e individual. Se por um lado, a charge tem esse poder de síntese capaz de condensar e universalizar uma questão específica, como a acessibilidade por exemplo, por outro, o caminho escolhido por Pablito na série de entrevista que sucedem as charges é o oposto.

A escolha de seus entrevistados é sutil e partiu, a princípio, de uma relação particular de afeto e (re)descobrimento de sua cidade natal, Alvorada – RS conforme ele mesmo relata em sua palestra para o TDxUnisinos. É nesse ponto que seu trabalho ganha maturidade e expressividade.

Cidade de Alvorada, aos olhos de Pablito

Pablito dá voz e singulariza o indivíduo e suas idiossincrasias, lançando seu olhar sensível e atento às pessoas comuns, cidadãos e cidadãs que fazem parte da vasta e diversa fauna urbana, sem se esquecer também daqueles que se encontram à margem, ou que são postos à margem pelo poder, ouvindo a todos com muita deferência, transpondo suas histórias, quase sempre de luta e resistência, como muita sinceridade, afabilidade e respeito.

Página de “Toniolo”, um dos muitas entrevistados de Pablito

Além de expressar a resistência em seus temas, o trabalho de Pablito Aguiar expressa resistência em diversas outras camadas, como a de um artista independente que luta diariamente para fazer com que seu trabalho chegue nas pessoas; ou como quando sua resistência se transforma também em resiliência, para contornar as contingências que, momentaneamente interromperam o seu trabalho, ou parte significativa do seu trabalho, como as entrevistas ao vivo, dificultadas por conta do surto de Covid-19.

No entanto, o que mais me chama a atenção em seu trabalho é a segunda qualificação da palavra resistência: sua capacidade reagente. A forma sensível com que os quadrinhos de Pablito dão a ver a forma inventiva, humorada, amorosa e delicada de como as pessoas entrevistadas reagem/resistem às afrontas diárias e ininterruptas resultantes direta ou indiretamente das ações de um governo petulante, opressor e injusto, demonstrando de forma didática ao mesmo tempo que poética, outras formas de resistência, de combate e de enfrentamento, sem nunca perder a ternura.

Publicado por Valter do Carmo Moreira

Professor, pesquisador, autor de histórias em quadrinhos e artista plástico. www.valtermoreira.com.br

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