[Bartheman] Minhas orelhas: Sem olhos, de Guilherme E Silveira

O Guilherme me propõe desafios (o outro, sobre abstração em quadrinhos). Aqui foi basicamente um estudo de caso, e me fe pensar bastante. E esse fez parte da tese do rapaz. Segue aí minha resposta.

Sem olhos ou Ecos de Maria, de Guilherme E Silveira – Selo Risco Impresso, 2021

E, assim, podemos estendê-los às histórias em quadrinhos e observar que há quadrinhos que seriam, portanto, poéticos, literários. Assim a gente resolve, de certa forma, a vontade de denominar todo quadrinho arte, posto que, nos quadrinhos, há trabalho invariavelmente artesanal, de elaboração estética desde a ilustração à distribuição página a página; há um trabalho de busca de “beleza” (como a literariedade, variável no tempo) em muitos dos quadrinhos, dos mais tradicionais. Mas nem todo quadrinho gera esses efeitos literários ou poéticos (pode escolher sua palavra preferida), pois nem todo trabalho é para pensar o estranhamento, o descolamento entre os signos. 

Por que escrevo isso? Sem olhos, de Guilherme E. Silveira, me deixou um tanto tonta, pensando nessas questões. É um trabalho que relê um dos nossos maiores mestres literários, Machado de Assis, e ainda assim cria algo totalmente diferente do literato. Guilherme realiza um procedimento profundamente estético de entrelaçamento de texturas de signos: a renda, a tipografia antiga, fotografias e outras imagens de registros distintos. E distribui o texto como uma poesia visual sobre uma estrutura de histórias em quadrinhos. 

Ainda é quadrinhos? Não seria poesia visual? A construção toda do livro se faz pela articulação específica dos quadrinhos, em que diversos elementos se distribuem sobre a página de maneira que o sentido se construa ao lermos cada elemento contra o outro: uma relação dialética, desde a justaposição quadro a quadro à composição da página como um todo, que participa da sequência página a página. Guilherme nos  apresenta, portanto, uma história em quadrinhos esvaziada de seu pressuposto narrativo, em benefício de uma poética. 

E para quem acha que poesia é apenas virtuosismo da linguagem, a leitura de Silveira do conto de Machado evidencia o caráter perverso da narrativa adaptada, nos permite a tal percepção ampliada que a poesia desvela do mundo. Ler os dois textos, um após o outro, na ordem que preferir, nos faz pensar melhor sobre ambas as linguagens e nos horrores naturalizados do nosso mundo. 

Publicado por mckamiquase

Maria Clara Ramos Carneiro on ResearchGate https://orcid.org/0000-0003-2332-1109

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