
Mais uma listante do Grampo comenta sobre sua lista. Valeu, Dani!
Eu e minha lista do Grampo
Ser convidada a participar de eventos de quadrinhos é sempre uma honra muito grande, afinal, isso significa que há pessoas que consideram o que você tem a dizer relevante.
Quando fui convidada a integrar a lista de jurados do prêmio Grampo 2017, tive total liberdade de mencionar as HQs que me marcaram mais ao longo de 2016, o que não significa que todas as outras obras que li e não entraram, não sejam tão boas quanto as que sugeri. Na verdade, como disse o Lielson sobre a sua lista, é um trabalho ingrato ter que escolher apenas 10 trabalhos em um universo tão rico e pense que no ano passado tivemos um boom na produção nacional. Eu mesma recomendaria todas as HQ que li, mesmo as que não gostei, porque sei que há público e espaço para todos os gostos.
Os critérios que levaram cada jurado a escolher seus títulos são subjetivos, claro.
Alguns, como o próprio Lielson disse, procuraram indicar HQs que apresentavam inovações gráficas, como o Talco de vidro (Veneta, 2015), do Marcello Quintanilha, cujos balões e narrativa não seguem o padrão tradicional visto nos quadrinhos.
Eu quis indicar o maior número de trabalhos femininos possível, justamente por ter consciência de que espaços que privilegiem a perspectiva feminina sobre assuntos diversos são escassos. Quem acompanha meu trabalho, sabe do meu envolvimento com o feminismo e da minha proximidade com artistas femininas, logo, não seria de espantar que eu usasse esses (poucos) espaços disponíveis para trazer visibilidade a elas, afinal, uma das reclamações recorrentes de amigos é que eles não conhecem esses trabalhos.
Bom, mas um outro ponto também deve ser levado em consideração: se entre os títulos que indiquei eu não tivesse de fato gostado de algum, eu não teria motivo para indicá-lo, pois, além de não ganhar absolutamente nada com isso, não vejo sentido em indicar algo para cumprir “cota” ou para fazer “média”. Nem mesmo as autoras querem isso, mas é preciso levar em conta que eu sou uma mãe de 40 anos que passou a maior parte da vida lendo a vida dos outros. Talvez meus amigos não entendam o que é isso, pois nasceram e cresceram em um universo onde as narrativas sempre foram sobre eles.
Nos quadrinhos, eu me vi representada em pouquíssimas histórias. Talvez X-Men na adolescência, mas foi só de uns dois anos pra cá que eu realmente descobri uma infinidade de artistas que, além de serem brasileiras, são mulheres com os mesmos questionamentos, angústias e neuras que eu! A sensação é a de descobrir um universo que estava escondido e que é seu agora.
A identificação com uma obra talvez seja um dos fatores mais fortes para que alguém se apegue a ela, então, ler as tiras da Thaiz Leão sobre os perrengues da maternidade é, acima de tudo, me ler! Uma sensação que nos é negada constantemente, já que somos ainda preteridas em um mercado que insiste em querer nos afastar. Eu não quero saber, mais uma vez, do drama de um cara branco de classe média diante do fora de uma namorada. Eu quero poder rir do desespero que é passar noites e noites sem dormir e perceber que não estou sozinha nesse universo tão particular.
Por isso, em resposta a algumas acusações recorrentes de sexismo em relação à conduta das mulheres no meio, vale lembrar que nossas ações são pautadas em séculos de exclusão e que segregação masculina só faria sentido se estivéssemos em um cenário de igualdade, o que não é o caso. Não excluímos ninguém, nós somos as excluídas, portanto, o que fazemos é tentar vir à tona, nos apoiando e puxando umas às outras, já que quem está lá em cima não costuma nos enxergar.
Então, deixo aqui minha listinha com comentários curtos, já que, pra variar, eu fiz um textão:
1 – Black silence (independente), da Mariana Cagnin é incrível! Está entre as melhores HQs que li nos últimos anos. Resenhei pro Minas Nerds.
2- Mulher-Maravilha: Sangue (Panini), de Brian Azzarello, Cliff Chiang e Tony Akins (Tradução de Mario Luiz Barroso), lançada no Brasil pela Panini em maio de 2016, traz uma das mais belas histórias de origem da princesa das amazonas.
3 – Mônica – Força (Panini), de Bianca Pinheiro para a coleção Graphic MSP. Bianca aborda um assunto complexo de forma leve e delicada. Sou fã da Bianca, acompanho Bear, então já esperava gostar do seu trabalho nas Graphics MSP.
4 – Miss Marvel: Questões mil (Panini); de G. Willow Wilson, Adrian Alphona e Jacob Wyatt (tradução de Paulo França e Rodrigo Barros), uma das mais importantes HQ em termos de representatividade de diversas minorias, tem uma linguagem acessível e questionadora sobre padrões sociais.
5 – As empoderadas, da Germana Viana, do selo Pagu Comics, exclusiva na plataforma Social Comics. A Germana consegue casar muito bem sua narrativa com sua arte impecável em uma história cheia de aventuras e totalmente despretensiosa. Tenho pra mim que está entre os melhores e mais completos artistas que temos no país.
6 – Ninguém vira adulto de verdade (Companhia das letras), de Sarah Andersen (tradução de André Czarnobai) é uma coletânea de tiras cômicas sobre a dureza que é ser adulto. Não existe uma única tira dela que eu não morra de rir.
7 – Salsicha zine, da Carolina Ito, reúne algumas das melhores tiras da página Salsicha em conserva. Com humor ácido, Carolina aborda temas cotidianos na perspectiva de salsichas em conserva. Algumas delas decorrentes de situações que passamos juntas, por isso, é um trabalho que conversa diretamente comigo.
8 – Na ponta da língua, da Beliza Buzzolo. Página que também teve seu primeiro zine lançado em 2016, trata temas LGBT com muito humor, atraindo leitores de todos os gêneros. Já recebi depoimentos de avós que adoram o trabalho dela, homens, adolescentes…
9 – Chora lombar (Gato preto), de Thaíz Leão – coletânea de tirinhas sobre o cotidiano de uma mãe solo e que aborda as principais dificuldades da maternidade sem a romantização do tema.
10 – Topografias, coletânea do selo Piqui com HQ experimentais de Bárbara Malagoli, Julia Balthazar, Lovelove6, Mariana Paraizo, Paula Puiupo e Taís Koshino. É um trabalho para um público específico, já que dialoga com técnicas e narrativas muito diferentes, fora do que estamos mais acostumados a ver nos quadrinhos. Talvez, seu maior valor esteja justamente na liberdade que cada artista teve para se expressar, conferindo ao livro um ar de anarquia que seria impensável em outras publicações.
Dani Marino é pesquisadora de quadrinhos, colaboradora da Gibiteca de Santos e escreve nos sites Minas nerds, Quadro-a-quadro e Iluminerds.