[1, 2, 3… já!] Reduzir para conquistar

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© Jim Davis –Dan Walsh 1 – Sempre dou meu melhor 2- … 3 -Aí, eu falho.

Oficina virtual de quadrinhos potenciais

Coluna para difundir e motivar atividades Oulipo-oubapianas, em que todos possam participar enviando suas produções a partir das proposições.

REDUÇÃO/ABLAÇÃO

“e a poesia mais rica é um sinal de menos” (Oswald de Andrade)

 

O exemplo-mãe do OuLiPo é o livro de Georges Perec La Disparition (O Sumiço, traduzido em português por Zéfere). A livro inteiro é escrito em lipograma de e: a letra E foi cortada do livro inteiro. O lipograma foi inventado pelo Perec, e vem do grego leipogrammatikos (que inventaram o termo para plagiar Perec por antecipação), e significa isso mesmo, cortar uma letra, uma coisa de determinada produção criativa. Lipo: retirar e gramma: a letra. Ou seja, apagar a letra. Como tudo no OuLiPo, nada é original, mas sempre uma extensão de jogos da infância, uma extensão daquele jogo “é-não-porque”, sabe? Contar uma história sem determinado elemento*.

Ao adaptar para quadrinhos, os oubapianos pensaram várias formas possíveis do que significaria um lipograma para a imagem. Poderia, ser, por exemplo, criar uma história sem um elemento que fosse considerado essencial aos quadrinhos: quadrinho sem texto (quadrinho mudo), quadrinho sem imagem (quadrinho cego), quadrinho sem personagem, quadrinho sem narrativa. Nesses casos, a ideia mesmo de restrição oubapiana potencializaria um trabalho criativo (pela eliminação prévia). Ou seja: as restrições que interditam um elemento já funcionariam na mesma lógica do lipograma.

Outra forma de pensar o lipograma poderia ser o lipografo. Retirar uma inscrição (grafo de grafia, inscrição, a escrita e a imagem da escrita) de um dado texto. Nesse caso, estou falando de um jogo de transformação de uma determinada história em outra pela retirada, pela redução ou pela ablação de um dado elemento de um quadrinho. Um exemplo que, infelizmente, perdi, é uma adaptação de Alice através do espelho por um desenhista que não desenhou Alice ao longo da história. Ou o caso destes dois artistas aí, o Dan Walsh e o Daniel Leonard que partiram de ideias muito simples: pegar esses quadrinhos clássicos e retirar deles um quadro ou um personagem.

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© Charles Schulz –Daniel Leonard 1 – Quando o seu cão estava doente, você ficou preocupado com ele, não foi? 2 – Se eu ficar doente, você ficaria preocupado comigo? – É claro. 3 – Tanto quanto, ou mais? Não consigo te ouvir… a tv está muito alta…

3eanuts, de Daniel Leonard, corta sempre o último quadro das histórias do Charlie Brown. Schulz consagrou esse modelo de quatro quadros em que o último sempre dava um lampejo de esperança na conversa. E Leonard nos corta isso, deixando um suspense pungente, na ablação do último quadro. Se quiser ler a solução do Schulz, o Leonard te manda procurar o livro.

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“Como segurar um lençol estúpido faz você se sentir seguro?” Ah, Lucy…

Além dessa ablação dar uma nova forma de ler a história, ela nos faz reler a história: aponta para o poético. Já o Dan Walsh cortou o Garfield das tiras do Garfield: a gente já conhecia o Jon patético. Agora temos um Jon frustrado e esquizofrênico.

Não precisa também ser sempre dramático. Um anônimo (ou grupo anônimo) decidiu retirar a roupa do Tintin, por exemplo, deixando-o peladão no Congo.

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Tintin au poil au Congo

Outro que depredou Tintin pelo apagamento foi Jochen Gerner, que pintou de preto um álbum inteiro, o Tintin na América, deixando apenas elementos que, ao longo do livro, quase nem apareciam: evocações de violência. Mesmo se Hergé tentou esconder tudo muito bem para debaixo do tapete da linha clara e montar esse personagem bom-mocista, Gerner observou uma disseminação da ideia de força, de guerra, da violência dos carros ao longo do livro. Assim, apagando de preto o que seria o incensurável, ele evidenciou a censura implícita desse livro. Nesse caso, o sinal aqui é de adição: ele cobriu as páginas de preto, usando a tinta preta assim como a censura fazia. Houve apagamento, mas não houve subtração: na exposição que ele fez do trabalho, era possível tentar perceber as formas do livro de Hergé, e Gerner nos convida, dessa forma justamente, a reler o livro. O trabalho dele é sempre para se ler colocando em relação, para entender o que “falta”, o que “sobra”.

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© Hergé + Jochen GernerTNT en Amérique, 1949+2002

Nessa mesma corrente de apagar para se entender a história, Ilan Manouach** retirou um elemento mais inesperado ainda do quadrinho. No caso, ele se apropriou de outra série clássica, os Smurfs (Schroumpfs) de Peyo. Ele pegou o primeiro livro, os “Smurfs Negros” de Peyo e Yvan Delporte (1963) e todas as camadas de cor CMYK viraram apenas C: magenta, amarelo e preto viraram o mesmo ciano da cor predominante dos personagens. A história tratava de uma doença que contaminou os duendes e retirava-lhes a cor, ou melhor, os deixava pretos. E Manouach bagunça tudo, nos fazendo pensar não apenas nas escolhas ideológicas da cor nesses objetos feitos para as massas, assim como a produção mesma desse objeto “processo supostamente transparente e mecânico, assim que para de funcionar corretamente ([ali], em relação a separação das cores), pode ser profundamente político”.

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Outras variantes desse processo, produzidos principalmente pelo Thierry Groensteen e pelo Gilles Ciment, que não são desenhistas, foi de reduzir de fato um quadrinho, pegando alguns elementos apenas de uma história inteira. Pegar apenas os começos de todos os Tintin, por exemplo. Ou, como fizemos em uma oficina na Faculdade de Letras da UFRJ há alguns anos, de selecionar apenas quadrinhos sem fala. Um dos resultados que mais gostei foi o do Fábio, que ainda fundiu duas histórias de uma mesma revista:

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CRIAÇÃO

Agora, é sua vez. Pegue um quadrinho. De preferência, um clássico, no sentido de facilmente reconhecível e que continue reconhecível após a extração. Pode escolher o que vai cortar. É interessante pensar no que seria essencial nele e como seu corte mudaria toda a história. Vamos lá?

1,

2,

3…

já!

Mande pra cá: balburdeio@gmail.com

NA PRÁTICA

Na semana passada, o Lielson Zeni ministrou uma oficina oulipiana em Salvador. Participei um cadinho, e aqui está a produção que fiz de exercícios de estilo propostas por ele. Quero que vocês mandem mais produções de vocês, bora?

***

Vale relembrar que ele (o Lz) e eu (a MC) vamos ministrar oficina sobre OuBaPo e crítica de quadrinhos na LAJE, em São Paulo, nos dias 3 e 4 de julho. Leia aqui.

Ver no Medium.com


* O contrário seria o jogo da língua do p, que obriga uma abundância e azar para a ortografia. Perec, aliás, escreveu o livro Les Revenentes usando apenas a vogal para vingá-las após La Disparition. 

** Manouach vai estar na residência Baiacu entre julho e agosto. Não perca a oficina dele!

Publicado por mckamiquase

Maria Clara Ramos Carneiro on ResearchGate https://orcid.org/0000-0003-2332-1109

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