Hoje não vamos falar sobre gibi. Vamos tocar o assunto censura, já que as redes sociais, que se mostraram tão indignadas no começo, e a mídia, pra variar, já esqueceram do assunto.
O melhor jeito de analisar a censura é retroativamente. Desse jeito, é fácil demais rebater qualquer argumento a favor e ver como a coisa toda é uma piada. Vou pegar aqui três exemplos que eu gosto bastante:
1 – Parental Advisory
A galera que comprava mídia física pra música conhece esse. É o selo que indica se um álbum contém linguagem e (barra) ou “inapropriada”. Era um selo direcionado aos pais e(barra) ou guardiões dos menores de idade. Quem julgava o que era inapropriado, é claro, eram “cidadãos de bem”, no caso, a PMRC (Parents Music Resource Center), encabeçado pela Tipper Gore, esposa do Al Gore. Como ela resolveu que alguns álbuns não fechavam com o que ela entendia como “aceitável” no sistema de crenças dela e, já que ela não tinha nada melhor pra fazer (como geralmente é o caso), ela usou a sua posição pra atacar alguns artistas e IMPOR censura sobre alguns materiais.
Na internet você pode se inteirar mais da coisa, mas o legal é ver a surra que o comitê levou de músicos como o Frank Zappa e o Dee Snider, do Twisted Sister. Vídeos dos debates e o texto de apresentação dos artistas estão no youtube, e vou colocar uns links aqui. Tem até um filme pra TV bem legal chamado Warning: Parental Advisory, que conta a história do caso. Vale a pena.
Zappa:
Dee Snyder:
2 – Video Nasties
Na Inglaterra dos anos 1980, quando o VHS foi lançado (lembra do Betamax?), conservadores (Mary Whitehouse foi uma das maiores representantes do sentimento anti-filme-de-terror-de-baixo-orçamento-que-sem-dúvida-corrompe-as-nossas-crianças-e-as-transformam-em-assassinas) atacaram filmes que tivessem muito conteúdo, novamente, “inapropriado”, como violência, sexo e blasfêmias.
A coisa chegou a tal ponto que até donos de locadoras que apenas alugavam os filmes para as pessoas foram presos. Sim, nesse nível. O alvo principal eram filmes de baixo orçamento com títulos que explicitavam o conteúdo, como I Spit in Your Grave e Canibal Holocaust, mas é claro que, como toda causa cretina, o que a lista de 72 filmes censurados fez foi gerar uma coletânea indispensável pra qualquer fã e entusiasta de terror. Os Video Nasties foram só mais uma onda de apontar um alvo fácil (a cultura ocidental tem muito mais de apontar um culpado e se vingar do que discutir uma solução coerente para remediar os problemas), com argumento risíveis que se tornaram ainda mais ridículos com o passar do tempo. Existem dois documentários geniais sobre o ocorrido. Fica aí o trailer do primeiro:
3 – Sedução dos Inocentes
Esse já é bem mais conhecido no meio dos quadrinhos. Nos anos 50, o psiquiatra Frederick Wertham publicou o livro Seduction of The Innocent, onde ele apontava um “estudo” que dizia que quadrinhos eram fonte de delinquência juvenil (os quadrinhos já estavam na mira governamental há quase uma década, sendo um dos maiores representantes da perseguição o escritor Sterling North, mas o ápice da doideira toda foram os anos 1950 mesmo). A melhor fonte sobre o assunto que eu conheço é o livro The Ten Cent Plague: The Great Comic-Book Scare and How It Changed America, do David Hadju. Outras fontes importantes e muito informativas sobre o tema são os livros A Guerra dos Gibis e A Morte do Grilo, do Gonçalo Jr.
Bem absurdo ouvir que quadrinhos transformam crianças em monstros em 2017, né? Pois é, pensa como vai ser ouvir que uma exposição sobre diversidade sexual foi boicotada e encerrada por um grupo daqui a 30 anos. A história se repete há tempos e ninguém percebe.
Antes de eu vazar, outra parada que eu acho que você devia ver é o episódio de South Park chamado “Cartoon Wars”.
South Park é um desenho genial. Ele começa bem e fica melhor ainda conforme as temporadas avançam. “Cartoon Wars” é um episódio em duas partes sobre censura (diante de um elemento que a gente vê recorrente em comentários quando censura relacionada a religião rola no Brasil: “Queria ver essa galera zoando muçulmanos”). Aqui, diferente dos exemplos acima, não tem como pensar o retroativo, porque não trata de um exemplo antigo, mas de algo muito atual. VOCÊ PODE VER A PARTE 1 AQUI.
South Park sempre coloca as opiniões de modo muito claro, sem medo, sem enrolação e esse caso não é diferente. Recomendo muito (a série inteira, na real), que assistam, mas já vou deixar o link aqui com o roteiro da segunda parte.
É bem importante comentar aqui que, apesar do boicote à Exposição Queermuseu e seu cancelamento serem atos que não cabem no século XXI, homossexuais, mulheres, negros, transgêneros, transexuais sofrem censuras muito mais severas de forma sistemática diariamente. Apanham diariamente. São proibidos de se expressar diariamente. Talvez valha a pena se colocar pra fora da nossa redoma e se colocar no lugar do outro não só quando A ARTE sofre represália.
Gosto de pensar no John Waters e na Divine, que faziam filmes geniais de baixíssimo orçamento sem se preocupar com o posicionamento de instituições, mandando um puta FODA-SE pro conservadorismo e pra tudo o que ele domina. Eles são dois dos meus ídolos.