Levei bastante tempo para ler esse livrinho. Ateneu, ou O Ateneu: crônica de saudades, da Mariana Paraizo (2014), é de uma delicadeza tão apurada nos detalhes, que passei algum tempo apenas olhando aquelas páginas, curtindo a textura da montagem feita nela.
A capa se fecha feito caderneta escolar, imediatamente remetendo ao Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, das mais antigas instituições escolares brasileiras ainda funcionando (sim, uma das poucas instituições que funcionam atualmente nesse país), onde estudou Raul Pompéia, autor de O Ateneu (crônica de saudades e Mariana Paraizo.

Se Raul Pompéia escreve um romance de um fictício colégio interno, misturando às suas memórias escolares, Mariana Paraizo nos traz papeizinhos trocados, pedaços da sua própria caderneta, para nos montar uma ficção sobre uma escola tal como o CPII.
Esses pedacinhos de memória, reais ou construídos pela autora, não remetem apenas a uma possível saudade do enunciador dessa narrativa: nós mesmos, olhando o giz sobre o papel, lembramos imediatamente desses lampejos de adolescência. A conversa guardada, o segredo de corredor.
“Eu não estou esquecendo de ninguém. Só crescendo.”
E é essa vontade de voltar os olhos sobre o papel, imaginar a textura do caderno, da caderneta, do papelzinho, do quadro e do giz, que esse zine de Mariana nos provoca, nos impele.
A história começa como uma intriga entre colegas. Mudanças de amizades, ciúmes. A história é sobre esses jovens que crescem, e sobre quem pesa todo o espírito da antiga instituição, “brasileiros de um enorme e subido valor”. A adolescência é meio isso, crescer com uma responsabilidade que precede nossa própria existência, de ultrapassar os antigos, ainda que conservando uma memória desconhecida. É na escola que as primeiras noções de hierarquia vão se moldando, do lar protegido se pula para a disputa de atenção e distinção entre crianças que podiam apenas estar brincando.

Afinal, a história se passa no tempo em que ainda se descobre gostos e amores, tempo de ansiedade entre a infância e a vida adulta. E é nessa disputa entre o real e o imaginado, o fotografado e o desenhado, que se dá um nó entre a ficção e a memória: um nó pura poesia, dessa “sobra” entre significantes (a matéria prima do trabalho de Mariana: caderneta, bordado, recadinhos, o papel kraft, florzinhas, o giz, o desenho) e os significados (o que quer dizer cada um desses signos, a narrativa que se desdobra dali, as sensações evocadas em nós ao passar os olhos pelas páginas, o suspiro da memória nossa real, da memória inventada que a gente imagina dali).