
Em nossa primeira viagem (Lielson e muá) para o exterior depois que o mundo acabou, fomos para Lima, a convite do Instituto Guimarães Rosa no Peru (anteriormente chamado Centro Cultural do Brasil-Peru), da Embaixada do Brasil no Peru e da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, para essa Semana de la Historieta Brasil-Perú.
Depois desses dois anos e meio de pandemia, havia um clima de mais segurança pós 3 doses, e também pelas medidas mais rígidas na capital peruana, que só recentemente interrompeu a obrigação do uso de máscaras em locais abertos. Até supermercados, restaurantes exigiam comprovante de vacinação e uso de máscaras N95 ou duas cirúrgicas para entrar. Ainda assim, a forte umidade de Lima me derrubou, e bateu aquele susto na volta. Tento resumir a viagem um pouco cansada pela bronquite e após dois testes negativos para Covid… Por isso já peço desculpas que vou tentar ser breve, para resumir uma semana intensa de eventos. Chegamos felizes, mas cansados, e chegamos em uma semana atravessada pelo ódio do Estado contra jovens pretos. A gente tinha acabado de falar de quadrinhos em que a arte, a leitura, impulsionavam uma vida diferente possível para esses mesmos jovens, e voltamos para o Brasil de sempre…
Vou contar um pouco da viagem, mas ainda quero voltar com calma aos livros que foram lançados em Lima, e sobre sua importância para pensar eticamente nosso país. (Por enquanto, deixo vocês com esse texto antigo).
Tudo começou há quase um ano atrás, quando a Luciana Falcon – uma das coordenadoras da Bienal de Quadrinhos de Curitiba –, me convidou para o seguinte projeto: selecionar títulos de quadrinhos brasileiros recentes para integrarem as bibliotecas dos centros culturais brasileiros no exterior. Tal empreitada é parte das ações do Programa Brasil em Quadrinhos, parceria da Bienal com o Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores. E daí se seguiram extensas reuniões para decidir o escopo dessa “Gibiteca Brasileira”, animada sobretudo por Igor Trabuco, diplomata e atual Chefe do Setor Cultural da Embaixada do Brasil em Lima, e conduzida pelas professoras Rose Falcão – diretora do Instituto Guimarães Rosa em Lima – e Jaqueline Moura – coordenadora pedagógica do centro. A ideia era de não apenas selecionar esses livros, mas também preparar materiais descrevendo e estimulando seu uso, destinados a professores de português para estrangeiro (PLE) desses centros culturais no exterior, que integram a Rede de Ensino do Itamaraty.

Portanto, foi uma seleção pensada a partir da diversidade de títulos, autores, linguagens… a partir de elementos visuais, verbais e interculturais distintos. Foi elaborado um extenso material descrevendo os títulos e estratégias para utilização dos quadrinhos.


Assim, essa viagem em Lima foi o primeiro contato presencial com professores de PLE, para discutir algumas estratégias de utilização de quadrinhos em sala de aula, além de apresentar a eles um panorama da produção recente de histórias em quadrinhos no país.

Ainda estou sob o impacto desses três dias de encontros, a receptividade (e o carinho) dos professores ultrapassou todas as minhas expectativas. Houve bastante troca, muita conversa que vai enriquecer tanto minha proposta como as minhas práticas de ensino. E foi lindo estar de novo presencialmente entre colegas para pensar a sala de aula em torno de elementos culturais.
(Também era a primeira vez que a maior parte desses professores se encontravam após dois anos, e foi bonito participar desse reencontro.)
Vídeo com mais imagens do encontro, aqui.

O Instituto Guimarães Rosa em Lima é um dos espaços mais engajados da Rede de Ensino do Itamaraty. Eles têm até programa de rádio (hoje transformado em lives), o Fala Brasil, em que alunos de português realizam entrevistas com artistas e personalidades brasileiros. No último dia 25, eles realizaram um resumo desses encontros aqui, mas também já entrevistaram Márcio Jr. e Fabio Zimbres.
Enquanto aconteciam as oficinas, a equipe da Bienal de Quadrinhos de Curitiba montava as exposições Catálogo Cómic HQ Brasil, Carolina e Cerro de la Favela, respectivamente a mostra de alguns títulos integrando o catálogo brasileiro de cem quadrinhos selecionados por Érico Assis, e dos livros de Sirlene Barbosa e João Pinheiro e Morro da Favela, de André Diniz. E o último dia da oficina coincidiu com a visita à Biblioteca Mario Vargas Llosa e a abertura das exposições.
Era a metade da Semana de la historieta Brasil-Perú organizada pela Bienal com a Embaixada e a Contracultura, editora local que lançava, também naquela semana, os livros das exposições, mas também Lovistori, de Lobo e Alcimar Frazão.
Alcimar, João e Sirlene chegaram juntos na véspera da abertura da exposição. Dali em diante, foram momentos muito fortes: a principal galeria do Instituto recém inaugurado reunia trechos de quadrinhos retratando pessoas faveladas, e que falam da arte como transformadora de mundo. Como disse o embaixador em seu discurso de abertura das exposições, “Tanto Carolina como Morro da Favela nos mostram a trajetória de vida de duas pessoas que nos ensinam como a arte pode transformar vidas” (a íntegra do discurso abaixo).

Palabras del Embajador de Brasil en Perú, Sérgio França Danese, en ocasión de la inauguración de las exposiciones de las novelas gráficas “Carolina” y “El Cerro de la Favela”
Preapertura del I Festival Nacional de Historietas del Bicentenário
Miraflores, Lima, 19 de mayo de 2022
Muy buenas noches. Sean bienvenidos al Instituto Guimarães Rosa, la nueva marca del Centro Cultural Brasil-Perú en su nueva y flamante sede.
Quiero agradecer especialmente al embajador de Argentina, mi querido amigo Eduardo Vaca Narvaja, al Embajador de Portugal, mi querido amigo Joaquim Moreira de Lemos, al alcalde de Miraflores, Luis Molina, querido amigo de la Embajada de Brasil, a los Embajadores Gustavo Meza-Cuadra, Director de la Academia Diplomática de Perú, y Carlos Herrera, Director General para Asuntos Culturales del Torre Tagle, y al presidente del I Festival de Historietas del Bicentenario, el Señor Benjamín Corzo, que entre tantos otros amigos nos honran acá con su presencia.
También quiero agradecer la participación de la Señora Sirlene Barbosa y del Señor João Pinheiro, autores de la novela gráfica “Carolina”, cuya exposición tenemos la oportunidad de disfrutar en este momento.
Lamentablemente, al último minuto, por cuestiones de salud, no pudimos contar con la presencia del Señor André Diniz, autor de la obra “El Cerro de la Favela”, que también figura en esta exposición. Aprovecho para agradecer también al Señor Alcimar Frazão, autor de “Lovistori”, libro que también se lanza en el Festival, y al equipo de la Bienal de Quadrinhos de Curitiba, responsable por la producción y programación brasileña del Festival Nacional de Historietas del Bicentenario del Perú.
Quiero decirles, a nombre de la Embajada de Brasil, cuánto nos ha impresionado el catálogo Cómic HQ Brasil, organizado por la Bienal de Quadrinhos de Curitiba y que recoge y resume tan bien la rica y creciente producción brasileña actual de novelas gráficas e historietas. Una exposición sobre ese catálogo se encuentra en el foyer del Instituto en la planta baja.
Es un honor para Brasil ser el país invitado de esta primera edición del Festival de Historietas del Bicentenario, exactamente en el año en que también celebramos el bicentenario de nuestra independencia. El que celebremos juntos nuestros bicentenarios agrega a la relación peruano-brasileña una sensibilidad y relevancia aún mayores. Y el que parte de esa celebración conjunta se haga en el dominio de las historietas y las novelas gráficas, que tanto impulso han ganado en nuestros países, es una señal de la vitalidad que nuestras relaciones culturales siguen ganando.
Ojalá que esta asociación construida entre la Bienal de Quadrinhos de Curitiba y los organizadores del Festival, con la entusiasmada mediación de la Embajada de Brasil en Lima, se repita en futuras ediciones del evento y permita seguir afianzando nuestras relaciones también en ese dominio del arte y la cultura.
Las exposiciones que inauguramos en este acto de preapertura del Festival son muy especiales, no sólo por la presencia de los autores aquí con nosotros, sino también por la reflexión que nos invitan a hacer.
Tanto “Carolina” como “El Cerro de la Favela” nos muestran la trayectoria de vida de dos personas que nos enseñan cómo el arte puede transformar vidas – la escritora Carolina de Jesús y el fotógrafo Maurício Hora.
Tanto Carolina como Mauricio nacieron en comunidades pobres respectivamente de São Paulo y Río de Janeiro, las dos mayores metrópolis de Brasil. Los creadores de estas novelas gráficas también traen una rica experiencia de vida en las zonas menos favorecidas de sus ciudades natales.
Son ciudades que comparten con muchas otras urbes latinoamericanas y del mundo los desafíos de la inclusión social y a la vez la potencia artística, la fuerza creadora y la intensidad temática que surgen en las regiones periféricas de los grandes centros urbanos.
Ello nos recuerda que el Arte sí está en todas partes y no busca más que una inspiración para manifestarse.
Conocer la trayectoria de vida de ambos artistas retratados en las paredes de esta galería, a través de historietas inspiradas de otros grandes virtuosos del mundo de las novelas gráficas, nos permite sumergirnos en la fuerza de sus universos creativos, que les permitió consagrar sus nombres como artistas y grandes comunicadores.
Y que de esa forma figuren entre los que nos ayudan en el proceso permanente de construcción de nuestra identidad nacional.
Todos han recibido la programación de Brasil en el Festival de Historietas del Bicentenario. Nos encantaría que nos puedan acompañar en todas nuestras actividades en el Parque Kennedy, desde mañana hasta el domingo.
Agradezco, nuevamente su presencia y los invito a disfrutar de las exposiciones en toda su belleza y expresión y de la presencia de los autores, que están disponibles para conversar con ustedes.
Muchas gracias.
Discurso do embaixador Sergio Danese, na abertura do evento


No dia seguinte, na principal praça do distrito mais burguês de Lima, Miraflores, houve a abertura do I Festival Nacional de Historietas do Bicentenário peruano, promovido pela Contracultura, editora de quadrinhos liderada por Benjamin Corzo. A abertura do evento contou com representantes da prefeitura, da embaixada do Brasil, dos Estados Unidos e do Ministério da Cultura peruano.


Uma das propostas do festival foi de integrar brasileiros e peruanos nas mesas redondas. Foi convidada a documentarista, jornalista e ativista Sofía Carillo para falar de Carolina Maria de Jesus com Sirlene e João. Sofía preparou um discurso sobre a invisibilidade da mulher negra latinoamericana, e Sirlene lembrou da importância do acesso à educação e de políticas públicas que possam garantir tais transformações. A arte e a leitura podem transformar, mas é impossível resistir por mérito individual. No dia seguinte, foi a vez de Jesús Cossio, um dos autores de Sendero Luminoso (Veneta, 2016), enunciar as semelhanças que Morro da Favela tinha com a vida do povo peruano: a violência policial e discriminação contra pobre continuam as mesmas… Já Alcimar Frazão, que começou sua mesa falando do portunhol como língua do futuro, e lembrou que toda decisão estética pressupõe uma ética, ao explicar sobre a decisão de mostrar, em Lovistori, uma vida comum para pessoas a quem, em geral, o cotidiano é negado.

Nós agradecemos imensamente a Jesús, aos irmãos Renso e Amadeo Gonzales – do festival Carboncito –, Leila La Reptiliana, Elliot Tupac, Solange López, Jorge Pérez-Rubial, Raúl Rodriguez, Julián Rodriguez pelas conversas, e ainda conhecemos o grande e generoso Juan Acevedo. Como foram tantas conversas condensadas em pouco menos de uma semana, vou tentar descrever um pouco mais, mais adiante, o que a gente conseguiu entender dessa cena peruana de histórias em quadrinhos, com meu espanhol diletante e no meio do turbilhão.
