
Pra esta parte do texto resolvi dar uma passeada e ver como outras artes reagem quando a gente gruda a palavra “abstrato” do lado delas. Chega mais que a busca pelo quadrinho abstrato continua.
Esta coluna é muito mais uma indicação de leituras que qualquer outra coisa (é quase um Vem comigo). Já escrevi outras partes dessa série (Parte 1, Parte 2, Parte 3 e Parte 4) e a coisa ainda vai render, pelos meus cálculos, pelo menos outros 3 textos. Hoje é meio como se eu cedesse meu caderno de anotações pra “vocês darem um bizu” (CECCONI, Paulo).
Grande coisa ~meu caderno de anotações~, mas enfim, antes da parte 5 da série sobre quadrinhos abstratos, achei que seria um bom um panorama (bem geral) sobre como se pensa diversas linguagens/media/artes abstratas (já falei de literatura e artes visuais e AINDA NÃO DE QUADRINHOS. Percebe, Ivair?).
Antes, porém, cabe dizer que não tive o tempo nem a dedicação nem competência pra cercar diversas formas de abstração em outras artes. Vou dar uma geral do pouco que consegui e sempre que possível indicar leituras online: A ideia é quem se interessar possa saber onde procurar mais informação.
Música abstrata
Achei que toda música fosse abstrata por definição, mas parece que não. O conceito de abstração musical flutua entre algumas propostas: uma oposição da música concreta à música abstrata; alguns músicos serialistas que foram colocados na sessão abstratos; também encontrei referências a dodecafonia (de Arnold Schöenberg, por exemplo) como abstração. Mas esses conceitos me parecem mais uma extensão explicativa do que uma compreensão sobre o que é abstrato.
Também vi uma ideia de que música abstrata é toda aquela que não usa de elementos que deem ideia de representação, tipo letra ou interpretação. Mas não sei de nada, tenho pouca entrada em teoria musical (se alguém aí entender da parada, comenta que eu complemento/arrumo aqui).
Cinema Abstrato
O cinema marginal e experimental algumas vezes recebe o carimbo abstrato, mas há algumas definições mais interessantes, tipo neste artigo aqui da Patrícia Silveirinha Castello Branco.
Para ela, o cinema abstrato surge nos momentos iniciais dessa arte, no começo do século 20, influenciado pela pintura abstrata, e funciona com termos equivalentes a ela. As obras de abstração no cinema foram feitas por figuras ligadas ao Dadá e ao Surrealismo: Man Ray, Henri Chomette, Hans Richter e László Moholy-Nagy, entre outros. Vai na citação em português lusitano:
“Nas primeiras décadas do século passado, a par dos desenvolvimentos da pintura abstracta, surgem no cinema uma série de movimentos não-representativos e não-narrativos que enfatizam vocações abstraccionistas da nova arte nascente.
Assim, paralelamente a um cinema que sedimenta e constrói a sua linguagem enquanto narração, descortinamos uma outra tendência, centrada na especificidade do próprio meio, e que se debruça sobre potencialidades visuais únicas e específicas desta prática.” CASTELLO BRANCO, Patrícia Silveririnha)
Dança Abstrata
Aqui danou-se de vez, porque se tem algo que não entendo é dança (mas acho tão bonito de ver – aliás, incluí dança naquele grupo de coisas que não preciso entender nada, ela apenas me encanta). Mas dando uma pesquisada, encontrei algumas definições de que na dança abstrata os movimentos são espontâneos e livres, o dançarino não busca uma representação.
O Ballet Triádico de Oskar Schlemmer é chamado por alguns de primeira peça de dança abstrata, mas acho que aqui tá muito mais em questão o uso da das figuras geométricas que qualquer outras coisa. Pra mim não encaixa muito como abstrato.
Já o trabalho de um camarada chamado George Balanchine me parece ser o tipo de trabalho abstrato que eu venho comentando. Acompanha:
“Ele [George Balanchine] iniciou a geração da dança abstrata, uma dança sem história, onde o movimento se articula com a música, é seu contraponto. Para ele a dança era a essência da emoção. Esse bailarino coreógrafo foi trabalhando seu estilo através das linhas de movimento, utilização do espaço e da velocidade empregadas na realização do movimento (VERDERI, 2000).” Esse não achei a autoria, mas segue o artigo completo.
Embora ainda associe abstrato a não narrativo e não resolva a questão da presença humana ali, ela se foca sobre os aspectos da própria dança, não usa esses aspectos para chegar em outro lugar. Achei mais essas duas citações bastante elucidativas por incluir o receptor (“destinatário”), vai na delas:
“É assim que na dança, ao propor um contrato a seu destinatário, por exemplo, o coreógrafo pode fazer com que o público reconheça as figuras do mundo através da persuasão. Isto é, o fazer-persuasivo do coreógrafo, como no consagrado balé O Lago dos Cisnes, leva o fazer-interpretativo do público ao reconhecimento da figura de um cisne em uma bailarina. Ou o coreógrafo pode, se deseja dificultar o procedimento de reconhecimento, criar obras abstratas, que tratam de sentimentos, como, por exemplo, o conhecido Bolero de Ravel de Maurice Bejárt.”
“O desejo de fazer-parecido, de fazer-crer, manifestado por este ou aquele coreógrafo, por esta ou aquela escola, por esta ou aquela época, é o que define o contrato fiduciário que resulta na iconização da dança. Já o despojamento da gestualidade, com a finalidade de tornar mais difícil o procedimento de reconhecimento, dá lugar à dança abstrata.” (TROTTA, Mariana de Rosa, artigo aqui).
Ainda acho que é uma definição muito sentada na obscuridade do entendimento que vejo muito mais como consequência do que como finalidade na abstração.
Teatro abstrato
Aqui também rola aquela já conhecida confusão: usar abstrato como adjetivo e não como uma delimitação. O teatro do absurdo de Eugène Ionesco já foi chamado de abstrato, por exemplo. O exemplo abaixo é bastante geométrico, mas não sei dizer se encaixaria como abstração.
Encontrei autores que defendem a impossibilidade de o teatro ser abstrato, pela presença do humano a atuar (imagino que isso seja também uma questão pra dança). Também achei um glossário que dizia que era um teatro “sem atuação”, mas sei lá o que isso quer dizer.
Gosto dessa definição aqui:


Parece que não dá pra pensar teatro abstrato no mesmo sentido que se pensa a pintura. O verbete propõe que tudo tem algo de abstração (que é diferente de ser abstrato, percebam) e vem com a noção de formas geométricas. Mas achei interessante a proposta da “simplificação, redução ao essencial, […] para opor a unidade à multiplicidade”. Vou pensar mais o que isso implica.
Fotografia abstrata
A noção de abstração aqui é muito similar a do cinema e, não por acaso, alguns nomes se destacam cá e lá, tipo Man Ray e László Moholy-Nagy.

A ideia rasa é que a fotografia abstrata não apresenta formas discerníveis do mundo externo (por mais que a gente saiba que a câmera captura a luz e recorta o filme fotográfico a partir do que está no mundo), a ideia é variar a entrada de luz e conseguir efeitos que entorpeçam o reconhecimento dos objetos retratados.
Para isso, se trabalha com elementos de duas partes do processo da fotografia: a luz na captação da imagem e a interferência na hora da revelação, com montagem, alteração do processo de revelação e inclusões.
Aqui também há uma grande confusão com o dadaísmo, o surrealismo e o geometrismo, tratados como abstração. Por isso, acho a definção da Izabel Liviski muito boa:
“As fotografias aéreas, em alguns casos, são imagens abstratas, assim como fotos de água, pois as referências do mundo real se dissolvem, assim como nas fotografias feitas por microscópios. El Lissistsky e Kasimir Malévitch, segundo Phillipe Dubois, pintores do movimento artístico chamado Suprematismo, se inspiraram em fotografias aéreas para produzirem suas imagens abstratas.
Fazendo um pequeno paralelo entre a fotografia abstrata e a pintura abstrata, Meyer Schapiro, ao contrário do que alguns dizem sobre a pintura abstrata, esta não é fruto de um excesso de racionalismo e ausência de sentimentos, e sim, o auge da dimensão humana no processo criativo. É no abstrato que o artista coloca todo o seu potencial para criar uma imagem que não traga em sua percepção referência de figurativo. Existe uma comparação com a fotografia abstrata, com a ressalva que sem o referente real a fotografia não existe.
A fotografia traz consigo, sempre, um rastro do real, definida por alguns como uma imagem de natureza indicial. Isto coloca a fotografia abstrata em uma situação de ambiguidade. Ao mesmo tempo que procura negar uma representação figurativa da realidade, por outro lado, até por sua gênese por projeção luminosa sobre a material fotossensível, não pode nascer desassociada de algo real que esteve diante da câmera.” (LIVISKI, Izabel, neste artigo)
Há ainda um processo assemelhada à fotografia: o raiograma ou fotograma. Ele é feito com a exposição direta do papel fotográfico e de alguns objetos sem usar a câmera.
Os resultados por vezes apresentam formas pouco ou nada figurativas. Mais informações sobre isso nesse artigo de Maria Beatriz Colucci.
Bem, seria isso. Pra encerrar, vou fingir que esqueci de falar de arquitetura abstrata, porque não tenho a menor ideia de por onde começar, e dizer que abstrato ao tratar de jogos (eletrônicos ou de tabuleiro) quer dizer reduzir o fator sorte, embora haja trabalhos como este que relacionam o visual dos games com pintura abstrata e existam jogos abstratos de estratégia.
Na partes seguintes, vou comparar a diversidade conceitual aqui, pra ver se isso ajuda a entender o quadrinho abstrato. Segue firme que ainda vai ter mais texto nessa série.
Um comentário em “[A consciência de Zeni] Quadrinhos abstratos {intermezzo}”