![Image of Weird Comix #1 [3rd printing]](https://assets.bigcartel.com/product_images/236129090/20190416_101304.jpg?auto=format&fit=max&h=1000&w=1000)
O Fábio Vermelho deve ser o autor mais estiloso do Brasil na atualidade. O rockabilly não desmonta o topete nem diante das narrativas mais tenebrosas e pornográficas.

Inspirado em músicas antigas tenebrosas, como blues macabros (por exemplo, “Coffin Blues”) e terror musical do The Cramps, Fábio Vermelho edita desde 2015 a revista Weird Comics (números 1 a 10). Publicada totalmente em inglês, ele ilustra músicas e a história do rock e sucessores, a relação dos jovens com a música etc.. Além de narrativas envoltas pela música – músicos fracassados (“The rise and fall of George Pills”), os bailes adolescentes (“I was a teenage gorilla boy”), ela também tem informação!, como a história da música a partir do direcionamento do consumo aos jovens, ainda nos anos 1950, a exploração da imagem pública dos artistas pela indústria, e até a história da propaganda que acompanharam a criação das primeiras farmacêuticas, com shows em que se vendiam remédios, desde o século XIX, quando a cultura popular dos medicamentos milagrosos foi substituída aos poucos pelos remédios patenteados.
O autor, a princípio, estava isolado da cena nacional – Vermelho, que hoje mora no Paraná, começou a carreira bem ao norte, no Pará. E ele não nos traz um imaginário que se esperaria “regional”, mas sim o totalmente americano, ou um imaginário desse americano rockabilly. Ao ler a sua história dos anúncios de remédio antigo, em que ele nos conta sua admiração pelo trabalho gráfico dessas primeiras propagandas, lembrei imediatamente do grande mercado de Belém, o Ver-o-Peso, muito bem ilustrado por Gidalti Jr. Ali, ainda se mantém a tradição dos remédios miraculosos e de fato milagrosos, as garrafadas (a sagrada andiroba), das quais as farmacêuticas se aproveitaram dos compostos, mas acabaram ganhando a pecha de pura crendice. Fábio explica esse mesmo processo na Weird Comix 9, mas em relação à apropriação de tratamentos indígenas americanos pelas farmacêuticas (sobre a história desses remédios populares.br, recomendo esse podcast). Mas esse espaço tão próximo geograficamente de Vermelho não aparece em suas histórias, e parecem não se relacionar com o espaço real que envolve a pessoa Fábio. Naquele local, o desenho de Fábio Vermelho não encontravam público, e as Weird Comics surgiram voltadas para um público “internacional” (apenas uma história com chuva, na 4, pode ser percebida como bem amazônica, mas não para um sudestino que desconheça a urbanização rascante do Norte). Mesmo assim, as histórias de Vermelho acabaram sendo acolhidas também no Brasil: algo que já comentamos, a cena editorial não se limita a fronteiras, nem linguísticas, e os signos estrangeiros acabam influenciando movimentações importantes do local. Esse internacional que Fábio inscreve não é diferente do imaginário que recebemos desde a explosão das técnicas de reprodução de imagens, a colonização da TV brasileira pelos filmes e sitcoms americanos. Ele escreve em inglês e em um imaginário americano da high school de juventude transviada, pois seu contato era sobretudo com o quadrinho sujo, escuro, sombrio de Crumb – principal óbvia referência sobretudo pelos quadrinhos em blues e pelas autoentrevistas –, e pela ficção científica de Asimov, K. Dick, a beat generation. Não é nada nova essa apropriação, portanto: nossos quadrinhos foram desde sempre contaminados por material estrangeiro. E, ainda assim, as Weird se fazem novas ao retomar o formato e estilo vintage, uma espécie de resistência rockabilly (e punk) da forma de fazer revista, no traço rápido de Fábio que reúne Crumb e Clowes para contar a história do rock. (“Longe” onde ele estava, não tinha tanto contato com seus congêneres da Prego ou Zica, por exemplo, ou da busca pelo grotesco de Eduardo Belga. Esse país continental, voltado para um umbigo sudestino, cria esses abismos…).
E Fábio nos explica os primórdios que minha geração vai conhecer en passant via filmes de John Hughes, dos anos 1980 nostálgico dos anos 1950, os anos 2000 nostálgico dos 1980 e assim por diante. Explica para nós o contexto histórico desse imaginário rockabilly, que para nós chegaram em tons pudicos ou levemente rebeldes. Nas revistas, Fábio resgata o lado B dos discos, e ainda tem muita pornografia sadomasô, muito couro, muito pinto. Ou melhor, cock, assim mesmo, huge cock, dos grandes assim, que alcançam a maestria em O deplorável caso do Dr. Milton (Escória Comix, 2019), cujo embrião aparece todinho nas Weird Comics, em monólogos sobre ter um clone (aliás, comento rapidamente sobe o Dr. Milton em texto pornográfico para a Café Espacial nº 18, que sai em novembro).
Ele mesmo explica, em “The shittiest ‘artists’ you have ever seen” (nº 6), que todo esse universo perverso que ele ilustra são fantasias, formas de sublimar o desejo com muita tinta, muito rabisco. Aquilo que o Walter Benjamin já falava no seu texto mais famoso, A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, em que as ilusões trazidas pelas novas artes do século XX (ele fala especificamente do cinema hollywoodiano) permitem vacinar a humanidade psiquicamente, “um desenvolvimento forçado de fantasias sádicas ou de alucinações masoquistas [que] pode impedir o seu amadurecimento, tanto natural quanto perigoso, nas massas.” (BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Tradução Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: L&PM, 2019, p. 89). A histeria coletiva do rock, da geração pós-guerra que Benjamin não conheceu, exorciza também os fantasmas e as fantasias reprimidos pelo belicismo e pelo fascismo dos anos anteriores. Essa geração rockabilly, que Fábio Vermelho homenageia, é extremamente pulsante, para a vida e para a morte. Aceleram o carro, experimentam drogas, libertam o inconsciente, buscando gozos nunca antes sonhados.

Entrevista dele aqui para o Carlos Neto e para o Ramon Vitral. E um bate-papo entre dois Fábios na Bienal de Quadrinhos de Curitiba, o Vermelho e o Lyra, dois autores que escrevem seus quadrinhos a partir da música. Playlist do Fábio V. para a Bienal, aqui. Recomendo pegar a nº 1 para ver se bate a história. Aconteceu comigo, rs.
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